Um poema emblemático de Antero: os homens indagariam aos deuses as
razões dos contratempos a que estão expostos, das circunstâncias que
compreendem a vida e a morte, da finalidade desta existência permeada por
crueldades e delírios – muita dor, por extensão.
Os deuses ofereceriam como resposta uma outra interrogação: “Homens!
porque é que nos criastes?” Em suma: Deus seria uma criação humana, aliás, um pouco
como se nos apresenta na cena da criação de Adão, detalhe da pintura de Michelangelo
no Vaticano – um Deus antropomórfico –, obra de um homem senil, que chegou à
idade avançada sem respostas irretorquíveis às suas mais prementes dúvidas
existenciais.
J.A.R. – H.C.
Antero de Quental
(1842-1891)
Divina Comédia
(Ao Dr. José Falcão)
Erguendo os braços
para o céu distante
E apostrofando os
deuses invisíveis,
Os homens clamam: –
“Deuses impassíveis,
A quem serve o
destino triunfante,
Por que é que nos
criastes?! Incessante
Corre o tempo e só
gera, inextinguíveis,
Dor, pecado, ilusão,
lutas horríveis,
Num turbilhão cruel e
delirante...
Pois não era melhor
na paz clemente
Do nada e do que
ainda não existe,
Ter ficado a dormir
eternamente?
Porque é que para a
dor nos evocastes?”
Mas os deuses, com
voz inda mais triste,
Dizem: – “Homens!
porque é que nos criastes?”
A criação de Deus
(Adán Barahona:
artista hondurenho)
Referência:
QUENTAL, Antero. Divina comédia. In:
__________. Sonetos completos e poemas
escolhidos de Antero de Quental. Seleção, revisão e prefácio de Manuel
Bandeira. Rio de Janeiro: Livros de Portugal, 1942. p. 265.
❁
Nenhum comentário:
Postar um comentário