Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

segunda-feira, 17 de fevereiro de 2020

Antero de Quental - Divina Comédia

Um poema emblemático de Antero: os homens indagariam aos deuses as razões dos contratempos a que estão expostos, das circunstâncias que compreendem a vida e a morte, da finalidade desta existência permeada por crueldades e delírios – muita dor, por extensão.

Os deuses ofereceriam como resposta uma outra interrogação: “Homens! porque é que nos criastes?” Em suma: Deus seria uma criação humana, aliás, um pouco como se nos apresenta na cena da criação de Adão, detalhe da pintura de Michelangelo no Vaticano – um Deus antropomórfico –, obra de um homem senil, que chegou à idade avançada sem respostas irretorquíveis às suas mais prementes dúvidas existenciais.

J.A.R. – H.C.

Antero de Quental
(1842-1891)

Divina Comédia

(Ao Dr. José Falcão)

Erguendo os braços para o céu distante
E apostrofando os deuses invisíveis,
Os homens clamam: – “Deuses impassíveis,
A quem serve o destino triunfante,

Por que é que nos criastes?! Incessante
Corre o tempo e só gera, inextinguíveis,
Dor, pecado, ilusão, lutas horríveis,
Num turbilhão cruel e delirante...

Pois não era melhor na paz clemente
Do nada e do que ainda não existe,
Ter ficado a dormir eternamente?

Porque é que para a dor nos evocastes?”
Mas os deuses, com voz inda mais triste,
Dizem: – “Homens! porque é que nos criastes?”

A criação de Deus
(Adán Barahona: artista hondurenho)

Referência:

QUENTAL, Antero. Divina comédia. In: __________. Sonetos completos e poemas escolhidos de Antero de Quental. Seleção, revisão e prefácio de Manuel Bandeira. Rio de Janeiro: Livros de Portugal, 1942. p. 265.

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