As pernas do Sr. Cógito bem podem ser a simbólica de duas esferas
distintas do existir humano: a realista e a que se deixa levar pelo idealismo
romântico. Veja-se que o poeta associa a perna esquerda – mais terra a terra, a
Sancho Pança, o escudeiro do cavaleiro da nobre figura, e este, à perna
direita, algo tresloucada, a zombar de todos os perigos – como Dom Quixote em
suas insanas aventuras.
É o mundo da poesia e do imaginário contra o mundo da lógica e da
racionalidade. A perna otimista e jovial mostra-se um pouco curta no Sr.
Cógito, afinal, se ele é a metáfora do homem que pensa, muito mais comum é
mostrar-se cético em determinadas provas de realidade: diria Popper que tudo
quanto se conhece permanece válido, até que, a planar pelos céus, apareça uma
graúna branca, de modo a subverter a máxima de que todos os exemplares dessa
ave tem a cor dos cabelos de Iracema!
J.A.R. – H.C.
Zbigniew Herbert
(1924-1998)
O dwu nogach
Pana Cogito
Lewa noga normalna
rzekłbyś optymistyczna
trochę przykrótka
chłopięca
w uśmiechach mięśni
z dobrze modelowaną łydką
prawa
pożal się Boże-
chuda
z dwiema bliznami
jedną wzdłuż ścięgna Achillesa
drugą owalną
bladoróżową
sromotną pamiątką
ucieczki
lewa
skłonna do podskoków
taneczna
zbyt kochająca życie
żeby się narażać
prawa
szlachetnie sztywna
drwiąca z niebezpieczeństwa
tak oto
na obu nogach
lewej którą przyrównać można do Sancho Pansa
i prawej
przypominającej błędnego rycerza
idzie
Pan Cogito
przez świat
zataczając się lekko
Pintor Trabalhando
(Lucian Freud: pintor
germano-inglês)
Das duas pernas
do Senhor Cógito
A perna esquerda –
normal
digamos otimista
um pouco curta
juvenil
com músculos
sorridentes
panturrilha bem feita
a direita
deus me livre –
magra
com duas cicatrizes
uma ao longo do
tendão de Aquiles
outra oval
cor de rosa pálido
a infame lembrança da
fuga
a esquerda
voltada aos pulos
dançante
amando demais a vida
para correr riscos
a direita
nobre rija
zomba dos perigos
e assim
sobre as duas pernas
a esquerda parecendo
Sancho Pança
a direita
lembrando o fidalgo
errante
o Senhor Cógito
anda pelo mundo
cambaleando um pouco
(Publicado em “Folhetim”
no dia 04.08.85)
Referências:
Em Polonês
Em Português
HERBERT, Zbigniew. Das duas pernas do
Senhor Cógito. Tradução de Ana Cristina Cesar e Grazyna Drabik. In: SUZUKI JR.,
Matinas; ASCHER, Nelson (Organizadores). Folhetim:
poemas traduzidos. São Paulo, SP: Folha de São Paulo, 1987. p. 175-176.
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