Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

sexta-feira, 6 de setembro de 2019

Zbigniew Herbert - Das duas pernas do Senhor Cógito

As pernas do Sr. Cógito bem podem ser a simbólica de duas esferas distintas do existir humano: a realista e a que se deixa levar pelo idealismo romântico. Veja-se que o poeta associa a perna esquerda – mais terra a terra, a Sancho Pança, o escudeiro do cavaleiro da nobre figura, e este, à perna direita, algo tresloucada, a zombar de todos os perigos – como Dom Quixote em suas insanas aventuras.

É o mundo da poesia e do imaginário contra o mundo da lógica e da racionalidade. A perna otimista e jovial mostra-se um pouco curta no Sr. Cógito, afinal, se ele é a metáfora do homem que pensa, muito mais comum é mostrar-se cético em determinadas provas de realidade: diria Popper que tudo quanto se conhece permanece válido, até que, a planar pelos céus, apareça uma graúna branca, de modo a subverter a máxima de que todos os exemplares dessa ave tem a cor dos cabelos de Iracema!

J.A.R. – H.C.

Zbigniew Herbert
(1924-1998)

O dwu nogach
Pana Cogito

Lewa noga normalna
rzekłbyś optymistyczna
trochę przykrótka
chłopięca
w uśmiechach mięśni
z dobrze modelowaną łydką

prawa
pożal się Boże-
chuda
z dwiema bliznami
jedną wzdłuż ścięgna Achillesa
drugą owalną
bladoróżową
sromotną pamiątką ucieczki

lewa
skłonna do podskoków
taneczna
zbyt kochająca życie
żeby się naraż

prawa
szlachetnie sztywna
drwiąca z niebezpieczeństwa

tak oto
na obu nogach
lewej którą przyrównać można do Sancho Pansa
i prawej
przypominającej błędnego rycerza
idzie
Pan Cogito
przez świat
zataczając się lekko

Pintor Trabalhando
(Lucian Freud: pintor germano-inglês)

Das duas pernas
do Senhor Cógito

A perna esquerda – normal
digamos otimista
um pouco curta
juvenil
com músculos sorridentes
panturrilha bem feita

a direita
deus me livre –
magra
com duas cicatrizes
uma ao longo do tendão de Aquiles
outra oval
cor de rosa pálido
a infame lembrança da fuga

a esquerda
voltada aos pulos
dançante
amando demais a vida
para correr riscos

a direita
nobre rija
zomba dos perigos

e assim
sobre as duas pernas
a esquerda parecendo Sancho Pança
a direita
lembrando o fidalgo errante
o Senhor Cógito
anda pelo mundo
cambaleando um pouco

(Publicado em “Folhetim”
no dia 04.08.85)

Referências:

Em Polonês

HERBERT, Zbigniew. O dwu nogach Pana Cogito. Disponível neste endereço. Acesso em: 28 ago. 2019.

Em Português

HERBERT, Zbigniew. Das duas pernas do Senhor Cógito. Tradução de Ana Cristina Cesar e Grazyna Drabik. In: SUZUKI JR., Matinas; ASCHER, Nelson (Organizadores). Folhetim: poemas traduzidos. São Paulo, SP: Folha de São Paulo, 1987. p. 175-176.

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