Eis aqui um poema bem gracioso, a articular um hipotético diálogo entre
Gandhi, o renomado líder espiritual e político indiano, e um poema, que, ao
olhar do mestre, ainda se mostra bastante distanciado da dura vida pela qual passam
os simples campônios daquele país.
Espera-se que o poema possa se identificar com a grande maioria da
população da Índia, de modo a, discursando com a fala comum do povo, representar
o que mais agrade a essa parcela da população, e não, como antes, dirigindo-se
às cortes – embora, se assim o fizesse, pudesse tornar-se bem mais anafado e
belo.
J.A.R. – H.C.
K. Satchidanandan
(n. 1948)
Gandhi and Poetry
One Day a lean poem
reached Gandhi’s ashram
to have a glimpse of
the man.
Gandhi spinning away
his thread towards
Ram
took no notice of the
poem
waiting at his door.
Ashamed at not being
a bhajan,
the poem now cleared
his throat
and Gandhi glanced at
him sideways
through those glasses
that had seen hell.
“Have you ever spun
thread?” he asked,
“Ever pulled a
scavenger’s cart?
Ever stood in the
smoke of
An early morning
kitchen?
Have you ever
starved?”
The poem said: “I was
born in the woods,
in a hunter’s mouth.
A fisherman brought
me up
in a cottage.
Yet I knew no work, I
only sing.
First I sang in the
courts:
then I was plump and
handsome;
but am on the streets
now,
half-starved.”
“That’s better”,
Gandhi said
with a sly smile,
“But you must give up this habit
of speaking in
Sanskrit at times.
Go to the fields. Listen
to
the peasants’ speech.”
The poem turned into
a grain
and lay waiting in
the fields
for the tiller to
come
and upturn the virgin
soil
moist with new rain.
Ângelus
(Jean-François Millet:
pintor francês)
Gandhi e a Poesia
Um dia, um magro
poema
chegou ao ashram de Gandhi (1)
para ter um vislumbre
do homem.
Gandhi, girando
o seu fio em direção a
Ram, (2)
não se deu conta do
poema
que o aguardava à
porta.
Envergonhado por não
ser um bhajan, (3)
o poema então
desobstruiu a garganta,
e Gandhi o mirou
assim de lado
com aqueles óculos
que haviam visto o inferno.
“Alguma vez você já
girou o fio?”, perguntou-lhe,
“Alguma vez arrastou
um carrinho de vasculhador
de lixo?
Alguma vez esteve sob
a fumaça de uma cozinha
na madrugada?
Alguma vez ficou
morto de fome?”
Disse-lhe o poema: “Nasci
nos bosques,
na boca de um
caçador.
Um pescador me criou
em uma cabana.
No entanto, trabalho
nenhum conhecia,
apenas canto.
Primeiro cantei nas
cortes:
era então rechonchudo
e belo;
mas agora estou nas
ruas,
meio morto de fome.”
“Assim está melhor”,
asseverou Gandhi
com um malicioso
sorriso, “Porém você
deve abandonar esse
hábito
de, às vezes, falar
em sânscrito.
Vá para os campos. Ouça
a fala dos
camponeses.
O poema se converteu
em um grão
e, nos campos, jazia à
espera
de que viesse o
lavrador
e revirasse o solo
virgem
umedecido pela chuva
recente.
Notas:
(1). Ashram, na Índia, designa o
eremitério onde os sábios vivem em paz e tranquilidade, em meio à natureza;
(2). Talvez Ram fosse o nome de uma
pessoa com quem Gandhi estivesse a fiar suas próprias roupas;
(3). Bhajan diz respeito a um gênero
musical devocional, portanto com temas religiosos ou ideias espirituais, de
forma livre, normalmente lírica e baseada em ragas melódicas, muito comum entre
os hindus.
Referência:
SATCHIDANANDAN, K. Gandhi and poetry. In:
THAYIL, Jeet (Ed.). 60 indian poets.
New Delhi, IN: Penguin Books India, 2008. p. 361-362.
❁
Nenhum comentário:
Postar um comentário