Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

sábado, 7 de setembro de 2019

K. Satchidanandan - Gandhi e a Poesia

Eis aqui um poema bem gracioso, a articular um hipotético diálogo entre Gandhi, o renomado líder espiritual e político indiano, e um poema, que, ao olhar do mestre, ainda se mostra bastante distanciado da dura vida pela qual passam os simples campônios daquele país.

Espera-se que o poema possa se identificar com a grande maioria da população da Índia, de modo a, discursando com a fala comum do povo, representar o que mais agrade a essa parcela da população, e não, como antes, dirigindo-se às cortes – embora, se assim o fizesse, pudesse tornar-se bem mais anafado e belo.

J.A.R. – H.C.

K. Satchidanandan
(n. 1948)

Gandhi and Poetry

One Day a lean poem
reached Gandhi’s ashram
to have a glimpse of the man.
Gandhi spinning away
his thread towards Ram
took no notice of the poem
waiting at his door.
Ashamed at not being a bhajan,
the poem now cleared his throat
and Gandhi glanced at him sideways
through those glasses that had seen hell.
“Have you ever spun thread?” he asked,
“Ever pulled a scavenger’s cart?
Ever stood in the smoke of
An early morning kitchen?
Have you ever starved?”

The poem said: “I was born in the woods,
in a hunter’s mouth.
A fisherman brought me up
in a cottage.
Yet I knew no work, I only sing.
First I sang in the courts:
then I was plump and handsome;
but am on the streets now,
half-starved.”

“That’s better”, Gandhi said
with a sly smile, “But you must give up this habit
of speaking in Sanskrit at times.
Go to the fields. Listen to
the peasants’ speech.”

The poem turned into a grain
and lay waiting in the fields
for the tiller to come
and upturn the virgin soil
moist with new rain.

Ângelus
(Jean-François Millet: pintor francês)

Gandhi e a Poesia

Um dia, um magro poema
chegou ao ashram de Gandhi (1)
para ter um vislumbre do homem.
Gandhi, girando
o seu fio em direção a Ram, (2)
não se deu conta do poema
que o aguardava à porta.
Envergonhado por não ser um bhajan, (3)
o poema então desobstruiu a garganta,
e Gandhi o mirou assim de lado
com aqueles óculos que haviam visto o inferno.
“Alguma vez você já girou o fio?”, perguntou-lhe,
“Alguma vez arrastou um carrinho de vasculhador
de lixo?
Alguma vez esteve sob a fumaça de uma cozinha
na madrugada?
Alguma vez ficou morto de fome?”

Disse-lhe o poema: “Nasci nos bosques,
na boca de um caçador.
Um pescador me criou
em uma cabana.
No entanto, trabalho nenhum conhecia,
apenas canto.
Primeiro cantei nas cortes:
era então rechonchudo e belo;
mas agora estou nas ruas,
meio morto de fome.”

“Assim está melhor”, asseverou Gandhi
com um malicioso sorriso, “Porém você
deve abandonar esse hábito
de, às vezes, falar em sânscrito.
Vá para os campos. Ouça
a fala dos camponeses.
O poema se converteu em um grão
e, nos campos, jazia à espera
de que viesse o lavrador
e revirasse o solo virgem
umedecido pela chuva recente.

Notas:

(1). Ashram, na Índia, designa o eremitério onde os sábios vivem em paz e tranquilidade, em meio à natureza;

(2). Talvez Ram fosse o nome de uma pessoa com quem Gandhi estivesse a fiar suas próprias roupas;

(3). Bhajan diz respeito a um gênero musical devocional, portanto com temas religiosos ou ideias espirituais, de forma livre, normalmente lírica e baseada em ragas melódicas, muito comum entre os hindus.

Referência:

SATCHIDANANDAN, K. Gandhi and poetry. In: THAYIL, Jeet (Ed.). 60 indian poets. New Delhi, IN: Penguin Books India, 2008. p. 361-362.

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