A poetisa torna-se desesperançada ao perceber que no livro de amor do
seu querido não há qualquer referência que lhe diga respeito, senão a toda a
gente com quem se relaciona. E a julgar que um livro nunca “mente” sobre o
estado anímico de quem o elabora, certamente o seu redator não pensa em dar
retorno a tal sentimento.
Florbela afirma que o autor desfolha as suas rosas, “rubros beijos de
bocas mentirosas”, a todas as mulheres que lhe passam em vida. Mas ela ainda
assim se dispõe a recolhê-las, ainda que pisadas, caso seja do proveito do
destinatário de sua, aparentemente, infecunda paixão.
De repente, não sei nem por quais razões inconscientes, vieram-me à
mente as palavras de Amália Rodrigues, no fado “Confesso”: “Convences as mulheres, convences /
Estou farta de o saber, estou farta”. E o arremate?: “De rastos a teus pés / Perdida
te adorei / Até que me encontrei, perdida / Agora já não és / Na vida o meu
senhor / Mas foste o meu amor, na vida”. Seria ou não um lídimo fado esse amor?!
J.A.R. – H.C.
Florbela Espanca
(1894-1930)
O teu livro
Li o teu livro, Amor,
sofregamente;
Li-o, e nele em vão
me procurei!
No teu livro d’amor
não me encontrei,
Tendo lá encontrado
toda a gente.
Um livro é a nossa
alma, nunca mente!
Um livro somos nós,
eu bem o sei...
E se em teus lindos
versos não me achei
E que a tua alma nem
sequer me sente!
As rosas do teu
livro! As tuas rosas!
Rubros beijos de
bocas mentirosas,
Desfolhaste-as por
todas as mulheres!
Mas deixa, meu Amor,
mesmo pisadas,
As tuas lindas rosas
desfolhadas,
Eu apanho-as do chão,
se tu quiseres...
Jovem lendo um livro
(Jean-Baptiste
Camille Corot: pintor francês)
Referência:
ESPANCA, Florbela. O teu livro. In:
__________. Poemas. Estudo introdutório, organização e notas de Maria Lúcia Dal
Farra. 1. ed., 5. tiragem (2010). São Paulo, SP: Martins Fontes, 1996. p. 319.
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