Sem sinais de pontuação, à exceção de parênteses e um travessão, o poeta
vislumbra os acontecimentos que hão de sobrevir ao fim do mundo: sua
escatologia encerra certas mediações com relatos contidos no Velho Testamento –
e não, como se poderia esperar, com as ocorrências assombrosas declinadas nas
páginas do Apocalipse.
Mas o certo é que, para quem não se prende a questões de fé, mas às
evidências da ciência, o fim do mundo não seria, de fato, o epílogo de todas as
coisas, mas, ante a colisão do sol contra uma nebulosa escura, apenas o remate
de uma “parte mínima do céu”. Dessa forma, o amplo, embora finito, painel azul
que cobre a Terra, continuará tal como sempre se nos apresentou: uma complexa
perspectiva.
J.A.R. – H.C.
O Fim do Mundo
(Anne Weirich:
pintora alemã)
Dicção Escatológica
O fim do mundo será
apenas o extinguir
de um pobre reflexo
tênue no finito painel
das virtudes celestes
comovidas
Quem ignorou o
firmamento astronômico
foi o menino jogando
bolinha de gude
Segundo a dicção
escatológica do Velho Testamento
ao se destruir toda a
terra
o firmamento
astronômico também se destruiria
Mas quem reflete sem
fé
em termos de ciência
astronômica atual
(Galileu usou um a
luneta de brinquedo)
sabe que o preciso
encontro
nunca dantes
planejado
(simples dente na
ordem da mecânica celeste)
do sol com uma
nebulosa escura
será o fim deste
mundo, por extensão
Como se vê o fim do
mundo
não será um fim em si
E dizer que tudo
acontecerá
numa parte mínima do
céu
e o finito painel
continuará como é –
uma complexa
perspectiva
Lírios aquáticos despertos
(Anne Weirich:
pintora alemã)
Referência:
CAMPOS, Guilherme de. Dicção
escatológica. In: __________. A procura
do autêntico. Rio de Janeiro: Livraria São José, 1958. p. 170.
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