Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

quinta-feira, 5 de setembro de 2019

Guilherme de Campos - Dicção Escatológica

Sem sinais de pontuação, à exceção de parênteses e um travessão, o poeta vislumbra os acontecimentos que hão de sobrevir ao fim do mundo: sua escatologia encerra certas mediações com relatos contidos no Velho Testamento – e não, como se poderia esperar, com as ocorrências assombrosas declinadas nas páginas do Apocalipse.

Mas o certo é que, para quem não se prende a questões de fé, mas às evidências da ciência, o fim do mundo não seria, de fato, o epílogo de todas as coisas, mas, ante a colisão do sol contra uma nebulosa escura, apenas o remate de uma “parte mínima do céu”. Dessa forma, o amplo, embora finito, painel azul que cobre a Terra, continuará tal como sempre se nos apresentou: uma complexa perspectiva.

J.A.R. – H.C.

O Fim do Mundo
(Anne Weirich: pintora alemã)

Dicção Escatológica

O fim do mundo será apenas o extinguir
de um pobre reflexo tênue no finito painel
das virtudes celestes comovidas
Quem ignorou o firmamento astronômico
foi o menino jogando bolinha de gude
Segundo a dicção escatológica do Velho Testamento
ao se destruir toda a terra
o firmamento astronômico também se destruiria
Mas quem reflete sem fé
em termos de ciência astronômica atual
(Galileu usou um a luneta de brinquedo)
sabe que o preciso encontro
nunca dantes planejado
(simples dente na ordem da mecânica celeste)
do sol com uma nebulosa escura
será o fim deste mundo, por extensão
Como se vê o fim do mundo
não será um fim em si
E dizer que tudo acontecerá
numa parte mínima do céu
e o finito painel continuará como é –
uma complexa perspectiva

Lírios aquáticos despertos
(Anne Weirich: pintora alemã)

Referência:

CAMPOS, Guilherme de. Dicção escatológica. In: __________. A procura do autêntico. Rio de Janeiro: Livraria São José, 1958. p. 170.

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