O ex-diplomata pernambucano e imortal da Academia Brasileira de Letras, de
onde foi presidente durante o biênio 2014-2015, ao mesmo tempo que sublinha os
momentos singulares durante os quais a poesia assoma à mente do poeta,
evidencia o lado mais utilitário das suas ações em vida, pois, como razoa, tem “mulher
e filhos em quem pensar”.
Mas não descuidemos que o interesse de Cavalcanti seja assim tão esparso
– alguns momentos ímpares num par de meses –, pois o que se reflete em sua obra
“A Herança de Apolo”, de 2012, é o erudito compêndio de quem se debruçou por
toda uma vida sobre o que há de melhor na poesia, aqui como alhures, dantes como
contemporaneamente.
J.A.R. – H.C.
Geraldo Holanda Cavalcanti
(n. 1929)
As ocasiões do poema
Razão tinha Borges se
dizia
não serem cotidianas
as ocasiões do poema.
Cuido agora de
informes e de róis
o nec plus ultra do ofício
que o pão me
justifica
e as ambições me
aplaca.
Em mil segundos tudo
o que
de privações do
espírito me aflige
será memória de
poeira
não mais, talvez, poeira
de arquivo
de poluição dourada
mas poeira eletrônica
recuperável e
irrecuperada.
Li Po cantava o pé da
mulher amada
e mil anos o
conservam fresco e perfumado.
Mas eu não sou Li Po
e tenho mulher e
filhos em quem pensar.
Em: “Restolho: 1978-1998”
Monet pintando em seu
barco-estúdio em Argenteuil
(Edouard Manet:
pintor francês)
Referência:
CAVALCANTI, Geraldo Holanda. As
ocasiões do poema. In: __________.
Poesia reunida. Introdução de Álvaro Mutis. Rio de Janeiro, RJ: Bertrand
Brasil & Fundação Biblioteca Nacional, 1998. p. 200.
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