Os mortos podem fazer a diferença, influenciando de forma irresistível a
vida dos que aqui estão: o amor que se houver plantado no convívio com eles, ou
mesmo sentimentos menos sublimes – quem sabe?... – podem perdurar no subconsciente,
levando-nos a operar de uma determinada maneira ou, ainda, a moldar algum
aspecto de nosso comportamento.
Sobre os mortos, aproveitando o ensejo, relembro o conto final de “Dublinenses”,
de James Joyce, intitulado exatamente “The Dead” (“Os Mortos”), adaptado ao
cinema pelas mãos hábeis de John Huston, em 1987, película que, aqui no Brasil,
recebeu o inadequado título de “Os Vivos e os Mortos”.
O que mais importa é o diálogo final entre os personagens Gabriel e sua
esposa Gretta, já em um hotel, depois de participarem de um jantar natalino na
casa de parentes. Ela ouve uma canção que a faz lembrar-se de um falecido rapaz, Michael, que a cortejou quando ambos ainda eram jovens, perdendo-se
então em pensamentos, adormecendo depois, deixando o esposo um bocado impressionado
com o papel que os mortos são capazes de representar na vida das pessoas, papel
esse que, logo após, essas mesmas pessoas representarão para outras tantas no
futuro...
J.A.R. – H.C.
Antero de Quental
(1842-1891)
Com os Mortos
Os que amei, onde
estão? idos, dispersos,
Arrastados no giro
dos tufões,
Levados, como em
sonho, entre visões,
Na fuga, no ruir dos
universos...
E eu mesmo, com os
pés também imersos
Na corrente e à mercê
dos turbilhões,
Só vejo espuma
lívida, em cachões,
E entre ela, aqui e
ali, vultos submersos...
Mas se paro um momento,
se consigo
Fechar os olhos,
sinto-os a meu lado
De novo, esses que
amei: vivem comigo,
Vejo-os, ouço-os e
ouvem-me também,
Juntos no antigo
amor, no amor sagrado,
Na comunhão ideal do
eterno Bem.
O Espírito dos Mortos em Vigília
(Paul Gauguin: pintor
francês)
Referência:
QUENTAL, Anthero. Com os mortos. In:
__________. Sonetos. Selecção e
apresentação de Ana Maria Almeida Martins. 1. ed. Lisboa, PT: Editorial
Presença, dez. 1996. p. 65. (“Centro de Estudos Anterianos”)
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