Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

quarta-feira, 11 de setembro de 2019

Antero de Quental - Com os Mortos

Os mortos podem fazer a diferença, influenciando de forma irresistível a vida dos que aqui estão: o amor que se houver plantado no convívio com eles, ou mesmo sentimentos menos sublimes – quem sabe?... – podem perdurar no subconsciente, levando-nos a operar de uma determinada maneira ou, ainda, a moldar algum aspecto de nosso comportamento.

Sobre os mortos, aproveitando o ensejo, relembro o conto final de “Dublinenses”, de James Joyce, intitulado exatamente “The Dead” (“Os Mortos”), adaptado ao cinema pelas mãos hábeis de John Huston, em 1987, película que, aqui no Brasil, recebeu o inadequado título de “Os Vivos e os Mortos”.

O que mais importa é o diálogo final entre os personagens Gabriel e sua esposa Gretta, já em um hotel, depois de participarem de um jantar natalino na casa de parentes. Ela ouve uma canção que a faz lembrar-se de um falecido rapaz, Michael, que a cortejou quando ambos ainda eram jovens, perdendo-se então em pensamentos, adormecendo depois, deixando o esposo um bocado impressionado com o papel que os mortos são capazes de representar na vida das pessoas, papel esse que, logo após, essas mesmas pessoas representarão para outras tantas no futuro...

J.A.R. – H.C.

Antero de Quental
(1842-1891)

Com os Mortos

Os que amei, onde estão? idos, dispersos,
Arrastados no giro dos tufões,
Levados, como em sonho, entre visões,
Na fuga, no ruir dos universos...

E eu mesmo, com os pés também imersos
Na corrente e à mercê dos turbilhões,
Só vejo espuma lívida, em cachões,
E entre ela, aqui e ali, vultos submersos...

Mas se paro um momento, se consigo
Fechar os olhos, sinto-os a meu lado
De novo, esses que amei: vivem comigo,

Vejo-os, ouço-os e ouvem-me também,
Juntos no antigo amor, no amor sagrado,
Na comunhão ideal do eterno Bem.

O Espírito dos Mortos em Vigília
(Paul Gauguin: pintor francês)

Referência:

QUENTAL, Anthero. Com os mortos. In: __________. Sonetos. Selecção e apresentação de Ana Maria Almeida Martins. 1. ed. Lisboa, PT: Editorial Presença, dez. 1996. p. 65. (“Centro de Estudos Anterianos”)

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