Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

sexta-feira, 27 de setembro de 2019

Czeslaw Milosz - Um pobre cristão olha para o gueto

O ente lírico e observador, certamente cristão e “incircunciso”, observa como abelhas e formigas juntam-se em enxames sobre as ruínas do gueto de Varsóvia, colocado abaixo pelos nazistas: a natureza leva à frente, indiferente a tudo, os seus processos orgânicos, “alimentando-se” dos restos humanos em decomposição.

Ele então vê um túnel sendo perfurado por um guardião-toupeira, cuja pálpebra túrgida o leva a associá-lo a um patriarca bíblico. A compunção oprime o observador, orientando-o a se perguntar se no mundo futuro o patriarca o acusará de ser cúmplice dos mercadores da morte.

A omissão pode ser um “pecado” indesculpável e, assim, é provável que se objete sobre até que ponto alguém pode se dispor a ajudar o próximo que corre risco de vida, incorrendo em semelhante risco?! Bem se vê que muitos povos que se dizem cristãos ainda estão longe de fazer cumprir um conhecido ditame: “Não existe amor maior do que este: de alguém dar a própria vida por causa dos seus amigos” (João 15:13).

J.A.R. – H.C.

Czeslaw Milosz
(1911-2004)

Biedny chrześcijanin patrzy na ghetto

Pszczoły obudowują czerwoną wątrobę
Mrówki obudowują czarną kość
Rozpoczyna się rodzieranie, deptanie jedwabi,
Rozpoczyna się tłuczenie szkła, drzewa, miedzi, niklu, srebra, pian
Gipsowych, blach, strun, trąbek, kiści, kul, kryształów –
Pyk! Fosforyczny ogień z żółtych ścian
Pochłania ludzkie i zwierzęce włosie.

Pszczoły odbudowują plastry płuc
Mrówki odbudowują białą kość,
Rozdzierany jak papier, kauczuk, płótno, skóra, len
Włókna, materie, celuloza, włos, wężowa łyska, druty
Wali się w ogniu dach, ściana i żar ogarnia fundament.
Jest już tylko piaszczysta, zdeptana z jednym drzewem bez liści
Ziemia

Powoli, drążąc tunel posuwa się strażnik - kret
Z małą czerwoną latarką przypiętą na czole
Dotyka ciał pogrzebanych, liczy, przedziera się dalej
Rozróżnia ludzki popiół po tęczującym oparze
Popiół każdego człowieka po innej barwie tęczy
Pszczoły odbudowują czerwony ślad
Mrówki odbudowują miejsce po moim ciele.

Boję się, tak się boję strażnika-kreta.
Jego powieka obrzmiała jak u patriarchy,
Który siadywał dużo w blasku świec
Czytając wielką księgę gatunku.

ż powiem mu, ja, Żyd Nowego Testamentu
Czekający od dwóch tysięcy lat na powrót Jezusa?
Może rozbite ciało wyda mnie jego spojrzeniu
I policzy mnie między pomocników śmierci
Nieobrzezanych.

Ponto de Partida
(Rozenfeld: assinatura de autor desconhecido)

Um pobre cristão olha para o gueto

As abelhas circundam o fígado vermelho,
As formigas circundam o osso negro.
Começa o rasgar, o pisotear das sedas,
Começa o quebrar de vidro, madeira, cobre, níquel, prata, espumas
De gesso, latão, cordas, trompetas, pencas, esferas, cristais –
Crac! O fogo fosfórico das paredes amarelas
Devora o pelo humano e animal.

As abelhas circundam os favos dos pulmões
As formigas circundam o osso branco,
Rasga-se papel, borracha, pano, pele, linho
Fibras, tecidos, celulose, cabelo, escama de serpente, fios
Desaba no fogo o telhado, a parede e a brasa tom o fundamento.
Só existe a arenosa, pisoteada, com apenas uma árvore sem folhas,
Terra

Lentamente, cavando o túnel, move-se o guardião-toupeira
Com uma pequena lanterna vermelha presa na testa.
Toca os corpos sepultados, conta, desbrava o caminho adiante,
Diferencia as cinzas humanas pelo halo iridescente,
As cinzas de cada ser humano pela cor diferente do arco-íris.
As abelhas circundam o rastro vermelho,
As formigas circundam o lugar que foi do meu corpo.

Temo, sim, temo muito o guardião-toupeira.
Sua pálpebra túrgida como a de um patriarca,
Que se sentava amiúde ao brilho das velas
Lendo o grande livro da espécie.

O que lhe direi, eu, o Judeu do Novo Testamento,
Que espera há dois mil anos o retorno de Cristo?
Talvez o corpo dilacerado me entregue à sua mirada
E ele me contará entre os ajudantes da morte:
Os Incircuncidados.

Referência:

MILOSZ, Czeslaw. Biedny chrześcijanin patrzy na ghetto / Um pobre cristão olha para o gueto. Tradução de Piotr Kilanowski. In: MENDONÇA, Vanderley (Ed.). Lira argenta: poesia em tradução. Edição bilíngue. São Paulo, SP: Selo Demônio Negro, 2017. Em polonês: p. 340 e 342; em português: p. 341 e 343.

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