O ente lírico e observador, certamente cristão e “incircunciso”, observa
como abelhas e formigas juntam-se em enxames sobre as ruínas do gueto de
Varsóvia, colocado abaixo pelos nazistas: a natureza leva à frente, indiferente
a tudo, os seus processos orgânicos, “alimentando-se” dos restos humanos em
decomposição.
Ele então vê um túnel sendo perfurado por um guardião-toupeira, cuja
pálpebra túrgida o leva a associá-lo a um patriarca bíblico. A compunção oprime
o observador, orientando-o a se perguntar se no mundo futuro o patriarca o
acusará de ser cúmplice dos mercadores da morte.
A omissão pode ser um “pecado” indesculpável e, assim, é provável que se
objete sobre até que ponto alguém pode se dispor a ajudar o próximo que corre
risco de vida, incorrendo em semelhante risco?! Bem se vê que muitos povos que
se dizem cristãos ainda estão longe de fazer cumprir um conhecido ditame: “Não
existe amor maior do que este: de alguém dar a própria vida por causa dos seus
amigos” (João 15:13).
J.A.R. – H.C.
Czeslaw Milosz
(1911-2004)
Biedny chrześcijanin patrzy na ghetto
Pszczoły obudowują czerwoną wątrobę
Mrówki obudowują czarną kość
Rozpoczyna się rodzieranie, deptanie jedwabi,
Rozpoczyna się tłuczenie szkła, drzewa, miedzi,
niklu, srebra, pian
Gipsowych, blach,
strun, trąbek,
kiści,
kul, kryształów –
Pyk! Fosforyczny ogień z żółtych ścian
Pochłania ludzkie i
zwierzęce
włosie.
Pszczoły odbudowują plastry płuc
Mrówki odbudowują białą kość,
Rozdzierany jak
papier, kauczuk, płótno, skóra, len
Włókna, materie,
celuloza, włos, wężowa
łyska, druty
Wali się w ogniu dach, ściana i żar ogarnia fundament.
Jest już tylko piaszczysta, zdeptana z jednym
drzewem bez liści
Ziemia
Powoli, drążąc tunel posuwa się strażnik - kret
Z małą czerwoną latarką
przypiętą na czole
Dotyka ciał
pogrzebanych, liczy, przedziera się dalej
Rozróżnia ludzki popiół po tęczującym oparze
Popiół każdego człowieka po innej barwie tęczy
Pszczoły odbudowują czerwony ślad
Mrówki odbudowują miejsce po moim ciele.
Boję się, tak się boję strażnika-kreta.
Jego powieka
obrzmiała jak u patriarchy,
Który siadywał dużo w blasku świec
Czytając wielką księgę gatunku.
Cóż powiem mu, ja, Żyd Nowego Testamentu
Czekający od dwóch tysięcy lat na powrót Jezusa?
Może rozbite ciało wyda mnie jego
spojrzeniu
I policzy mnie między pomocników śmierci
Nieobrzezanych.
Ponto de Partida
(Rozenfeld: assinatura
de autor desconhecido)
Um pobre cristão olha para o gueto
As abelhas circundam o fígado vermelho,
As formigas circundam o osso negro.
Começa o rasgar, o
pisotear das sedas,
Começa o quebrar de
vidro, madeira, cobre, níquel, prata, espumas
De gesso, latão,
cordas, trompetas, pencas, esferas, cristais –
Crac! O fogo
fosfórico das paredes amarelas
Devora o pelo humano
e animal.
As abelhas circundam os favos dos
pulmões
As formigas circundam o osso branco,
Rasga-se papel,
borracha, pano, pele, linho
Fibras, tecidos,
celulose, cabelo, escama de serpente, fios
Desaba no fogo o
telhado, a parede e a brasa tom o fundamento.
Só existe a arenosa,
pisoteada, com apenas uma árvore sem folhas,
Terra
Lentamente, cavando o
túnel, move-se o guardião-toupeira
Com uma pequena
lanterna vermelha presa na testa.
Toca os corpos
sepultados, conta, desbrava o caminho adiante,
Diferencia as cinzas
humanas pelo halo iridescente,
As cinzas de cada ser
humano pela cor diferente do arco-íris.
As abelhas circundam o rastro vermelho,
As formigas circundam o lugar que foi
do meu corpo.
Temo, sim, temo muito
o guardião-toupeira.
Sua pálpebra túrgida
como a de um patriarca,
Que se sentava amiúde
ao brilho das velas
Lendo o grande livro
da espécie.
O que lhe direi, eu,
o Judeu do Novo Testamento,
Que espera há dois
mil anos o retorno de Cristo?
Talvez o corpo
dilacerado me entregue à sua mirada
E ele me contará
entre os ajudantes da morte:
Os Incircuncidados.
Referência:
MILOSZ, Czeslaw. Biedny chrześcijanin patrzy na ghetto / Um pobre cristão olha para o gueto. Tradução
de Piotr Kilanowski. In: MENDONÇA, Vanderley (Ed.). Lira argenta: poesia em tradução. Edição bilíngue. São Paulo, SP:
Selo Demônio Negro, 2017. Em polonês: p. 340 e 342; em português: p. 341 e 343.
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