Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

domingo, 8 de setembro de 2019

Domingos Carvalho da Silva - A Rosa Irrevelada

Não se deve tentar explicar um poema, já se disse alhures, mas tenho para mim que, em todo poema, apesar de suas manifestas dimensões não redutíveis a um plano consentâneo de mediação com os fatos da vida, há sempre um viés de racionalidade que o atravessa, fundamentável em argumentos plenos de realidade.

Pois se assim não for, como explicar o imenso lastro de metaliteratura existente, literatos deslindando poemas, afora a exuberante quantidade de poemas sobre a própria poética – como muitos já o aqui postamos –, a exemplo de mais este, de autoria de Carvalho da Silva, a propugnar pela busca do inusitado em matéria de poesia: correr mundo à procura de novas palavras para um poema, capaz de expressar a irrevelada morte – se não for do poema mesmo?!

J.A.R. – H.C.

Domingos Carvalho da Silva
(1915-2003)

A Rosa Irrevelada

Correi o mundo e procurai palavras novas para um poema.
Dos oceanos trazei nomes de peixes e remotas ilhas,
tranças de virgens, seios afogados,
mas
antes de tudo palavras para um poema.

Caminhai nas trevas em busca de uma rosa.
Colhei nos cardos a flor menosprezada.
Buscai no mar os liquens, as esponjas,
trazei convosco pérolas,
peixes negros e plantas submarinas.

Trazei a náufraga de olhos devorados
por gaivotas. A náufraga de seios como luas
entre ciprestes de algas. A náufraga
de coxas como praias
onde o desejo espuma e desfalece.

Não procureis anelos e ternura
nem um pássaro de canto engaiolado.
Quero-vos noite escura, corpo escuro
de mulher em silêncio, rosa inviolável.

Trazei da noite palavras para um poema.
A irrevelada morte para um poema.

Em: “Praia Oculta” (1949)

Reflexos do Verão
(John Lautermilch: pintor norte-americano)

Referência:

CARVALHO DA SILVA, Domingos. A rosa irrevelada. In: __________. Múltipla escolha: seleção de poemas. Introdução de Diana Bernardes. Rio de Janeiro, RJ: José Olympio; Brasília, DF: INL, 1980. p. 56-57.

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