Alpes Literários

Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

segunda-feira, 30 de setembro de 2019

Lao-Tzu - Tao-Te King: LVIII

Este aforismo do Tao-Te King parece dirigir-se, diretamente, ao presidente (sic) de Pindorama, que não tem mais a que se dispor fazer – e parece que o Brasil, com os seus quase 14 (quatorze) milhões de desempregados, não entra na rota de suas preocupações –, do que açular a matilha de suas redes sociais para propor prisão a quem, fazendo a sua parte como jornalista, expõe as mazelas de um sistema judicial e ministerial arbitrário e apodrecido, que, em última instância, lhe franqueou a vitória nas últimas eleições.

O Brasil se desperdiçou como nação, e sob a batuta desse radical e de seu ministério desvairado, põe-se a desfazer-se de toda a autonomia perante o mundo, retornando ao quadro de subserviência política e econômica da qual se propunha afastar-se, rumo ao seu pleno desenvolvimento sustentável – proposta essa que, agora, ameaça-se ainda mais com a disponibilização da Amazônia aos interesses norte-americanos!

J.A.R. – H.C.

Lao-Tzu
(~601 a.C. – 531 a.C.)

LVIII

Quando o governante é tranquilo e discreto,
O povo é leal e honesto.
Quando o governante é perspicaz e rude,
O povo é desleal e não confiável.
É sobre a infelicidade que repousa a felicidade;
a infelicidade espreita a felicidade.
Quem, no entanto, reconhece que o bem supremo
consiste na inexistência de ordens?
A ordem transforma-se em caprichos
e o bem se converte em superstição
e os dias de cegueira do povo
duram realmente muito tempo.

Assim também o Sábio:
serve de modelo sem castrar os outros,
é escrupuloso sem ferir,
é natural sem ser arbitrário
e brilha sem ofuscar.

Dominação Mundial no Século XXI
(Gheorghe Virtosu: pintor romeno)

Referência:

LAO-TZU. XXXVI. Tradução de Margit Martincic. In: __________. Tao-Te King: texto e comentário de Richard Wilhelm. Tradução de Margit Martincic. São Paulo, SP: Pensamento, 2006. p. 97.

domingo, 29 de setembro de 2019

Tarcísio Meira César - Tônio Kroeger

Este poema, certamente, diz respeito ao personagem Tonio Kröger, da novela de mesmo nome (1903), de Thomas Mann, a refletir como muitos dos escritos do autor alemão, sobre a arte e a missão do artista, sua criatividade, sensibilidade, mente e pensamentos, e, mais pronunciadamente, o elemento político que se manifesta mediante cada conteúdo estético.

Tonio é um poeta que lança mão da poesia para autoexprimir-se e compensar sua solidão, a falta de algum sentido para a vida e a impotência que deriva de uma frágil e insegura existência. A dicotomia entre a vida e a arte, a felicidade pessoal e a disciplina necessária para grandes conquistas são temas que assombram o personagem, à procura de se adaptar a um mundo que, seguindo a norma burguesa utilitária, não lhe franqueia maior espaço.

J.A.R. – H.C.

Tarcísio Meira César
(1941-1988)

Tônio Kroeger

E pouco a pouco a névoa dissolveu-se
no claro sonho, humilde, nascituro
– ave que esvoaçou no céu impuro
do tempo em que nasceu e onde prendeu-se.

Excluído assim do amor e da canção,
depois veio o silêncio mais cinzento.
Sem ter repouso e sem ter movimento,
desdobrou-se entre o sono e a solidão.

Viu tudo do outro lado da vidraça,
inexpressivo e só e mudo e alheio
– sombra hamletiana que esvoaça.

Assim entrou num mundo inexplorado:
um golfo de imortais palavras cheio,
onde se vê noturno e destroçado.

Interior com um jovem lendo
(Vilhelm Hammershøi: pintor dinamarquês)

Referência:

CÉSAR, Tarcísio Meira. Tônio Kroeger. In: __________. Poesia reunida. Patos, PB: Fundação Ernani Sátyro, 1997. p. 125.

sábado, 28 de setembro de 2019

John Koethe - A Idade da Ansiedade

Quando a idade avança tornamo-nos mais serenos e capazes de belas reflexões sobre a vida: a idade da ansiedade a que se refere o poeta diz respeito a um determinado momento de sua vida pessoal, quando se vê às voltas com a criação de poemas que lhe ficam aprisionados, a refletirem coisas tantas vezes já ouvidas, mas que, aparentemente, não repercutem na audiência, certamente pouco atenta.

A despeito de tudo, as experiências passadas não possuem o condão de nos definir para sempre – e parece que é contra isso que o poeta se debate e se torna ansioso, esperando dar contornos diferenciados à vida, de modo a permitir vazão, em seus poemas, de sentimentos e, talvez, de pensamentos que muitas vezes teimam em não se converter em palavras.

J.A.R. – H.C.

John Koethe
(n. 1945)

The Age of Anxiety

isn’t an historical age,
But an individual one, an age to be repeated
Constantly through history. It could be any age
When the self-absorbing practicalities of life
Are overwhelmed by a sense of its contingency,
A feeling that the solid body of this world
Might suddenly dissolve and leave the simple soul
That’s not a soul detached from tense and circumstance,
From anything it might recognize as home.
I like to think that it’s behind me now, that at my age
Life assumes a settled tone as it explains itself
To no one in particular, to everyone. I like to think
That of those “gifts reserved for age,” the least
Is understanding and the last a premonition of the
Limits of the poem that’s never done, the poem
Everyone writes in the end. I see myself on a stage,
Declaiming, as the golden hour wanes, my long apology
For all the wasted time I’m pleased to call my life –
A complacent, measured speech that suddenly turns
Fretful as the lights come up to show an empty theater
Where I stand halting and alone. I rehearse these things
Because I want to and I can. I know they’re quaint,
And that they’ve all been heard before. I write them
Down against the day when the words in my mouth
Turn empty, and the trap door opens on the page.

In: “The Swimmer” (2016)

Amarelo, Vermelho, Azul
(Wassily Kandinsky: artista russo)

A Idade da Ansiedade

não é uma idade histórica,
Mas individual, uma idade a se repetir
Constantemente ao longo da história.
Poderia ser qualquer idade
Em que os aspectos práticos da vida, absorventes por si mesmos,
São dominados pelo sentido de sua contingência,
Uma sensação de que o corpo sólido deste mundo
Poderia repentinamente se dissolver, deixando singela a alma,
Que não é uma alma desapegada do tempo e das circunstâncias,
De qualquer coisa que possa reconhecer como lar.
Gosto de pensar que ela agora está atrás de mim, que em minha idade
A vida assume um tom estável, já que não se deslinda
Para ninguém em particular, senão para todos. Gosto de pensar
Que dos “regalos reservados à idade”, o menos importante
É a compreensão e, o derradeiro, uma premonição dos
Limites do poema que nunca se fez, o poema
Que todos escrevem ao final. Vejo-me num palco, declamando,
Enquanto se desvanece a hora dourada, minhas longas escusas
Por todo o tempo perdido que me compraz chamar minha vida –
Um discurso complacente e ponderado que repentinamente se torna
Agitado quando as luzes se acendem para mostrar um teatro vazio
Onde estou quedo e sozinho. Ensaio essas coisas
Porque quero e posso. Sei que são esquisitas,
E que todas elas já antes foram ouvidas. Escrevo-as
Contra o dia em que as palavras em minha boca
Tornam-se vazias, e o postigo se abre sobre a página.

Em: “O Nadador” (2016)

Referência:

KOETHE, John. The age of anxiety. In: TRETHEWEY, Natasha (Guest Editor); LEHMAN, David (Series Editor). The best american poetry: 2017. New York, NY: Schibner Poetry, sep.2017. p. 71. (“The Best American Poetry” series; Simon & Schuster)

sexta-feira, 27 de setembro de 2019

Czeslaw Milosz - Um pobre cristão olha para o gueto

O ente lírico e observador, certamente cristão e “incircunciso”, observa como abelhas e formigas juntam-se em enxames sobre as ruínas do gueto de Varsóvia, colocado abaixo pelos nazistas: a natureza leva à frente, indiferente a tudo, os seus processos orgânicos, “alimentando-se” dos restos humanos em decomposição.

Ele então vê um túnel sendo perfurado por um guardião-toupeira, cuja pálpebra túrgida o leva a associá-lo a um patriarca bíblico. A compunção oprime o observador, orientando-o a se perguntar se no mundo futuro o patriarca o acusará de ser cúmplice dos mercadores da morte.

A omissão pode ser um “pecado” indesculpável e, assim, é provável que se objete sobre até que ponto alguém pode se dispor a ajudar o próximo que corre risco de vida, incorrendo em semelhante risco?! Bem se vê que muitos povos que se dizem cristãos ainda estão longe de fazer cumprir um conhecido ditame: “Não existe amor maior do que este: de alguém dar a própria vida por causa dos seus amigos” (João 15:13).

J.A.R. – H.C.

Czeslaw Milosz
(1911-2004)

Biedny chrześcijanin patrzy na ghetto

Pszczoły obudowują czerwoną wątrobę
Mrówki obudowują czarną kość
Rozpoczyna się rodzieranie, deptanie jedwabi,
Rozpoczyna się tłuczenie szkła, drzewa, miedzi, niklu, srebra, pian
Gipsowych, blach, strun, trąbek, kiści, kul, kryształów –
Pyk! Fosforyczny ogień z żółtych ścian
Pochłania ludzkie i zwierzęce włosie.

Pszczoły odbudowują plastry płuc
Mrówki odbudowują białą kość,
Rozdzierany jak papier, kauczuk, płótno, skóra, len
Włókna, materie, celuloza, włos, wężowa łyska, druty
Wali się w ogniu dach, ściana i żar ogarnia fundament.
Jest już tylko piaszczysta, zdeptana z jednym drzewem bez liści
Ziemia

Powoli, drążąc tunel posuwa się strażnik - kret
Z małą czerwoną latarką przypiętą na czole
Dotyka ciał pogrzebanych, liczy, przedziera się dalej
Rozróżnia ludzki popiół po tęczującym oparze
Popiół każdego człowieka po innej barwie tęczy
Pszczoły odbudowują czerwony ślad
Mrówki odbudowują miejsce po moim ciele.

Boję się, tak się boję strażnika-kreta.
Jego powieka obrzmiała jak u patriarchy,
Który siadywał dużo w blasku świec
Czytając wielką księgę gatunku.

ż powiem mu, ja, Żyd Nowego Testamentu
Czekający od dwóch tysięcy lat na powrót Jezusa?
Może rozbite ciało wyda mnie jego spojrzeniu
I policzy mnie między pomocników śmierci
Nieobrzezanych.

Ponto de Partida
(Rozenfeld: assinatura de autor desconhecido)

Um pobre cristão olha para o gueto

As abelhas circundam o fígado vermelho,
As formigas circundam o osso negro.
Começa o rasgar, o pisotear das sedas,
Começa o quebrar de vidro, madeira, cobre, níquel, prata, espumas
De gesso, latão, cordas, trompetas, pencas, esferas, cristais –
Crac! O fogo fosfórico das paredes amarelas
Devora o pelo humano e animal.

As abelhas circundam os favos dos pulmões
As formigas circundam o osso branco,
Rasga-se papel, borracha, pano, pele, linho
Fibras, tecidos, celulose, cabelo, escama de serpente, fios
Desaba no fogo o telhado, a parede e a brasa tom o fundamento.
Só existe a arenosa, pisoteada, com apenas uma árvore sem folhas,
Terra

Lentamente, cavando o túnel, move-se o guardião-toupeira
Com uma pequena lanterna vermelha presa na testa.
Toca os corpos sepultados, conta, desbrava o caminho adiante,
Diferencia as cinzas humanas pelo halo iridescente,
As cinzas de cada ser humano pela cor diferente do arco-íris.
As abelhas circundam o rastro vermelho,
As formigas circundam o lugar que foi do meu corpo.

Temo, sim, temo muito o guardião-toupeira.
Sua pálpebra túrgida como a de um patriarca,
Que se sentava amiúde ao brilho das velas
Lendo o grande livro da espécie.

O que lhe direi, eu, o Judeu do Novo Testamento,
Que espera há dois mil anos o retorno de Cristo?
Talvez o corpo dilacerado me entregue à sua mirada
E ele me contará entre os ajudantes da morte:
Os Incircuncidados.

Referência:

MILOSZ, Czeslaw. Biedny chrześcijanin patrzy na ghetto / Um pobre cristão olha para o gueto. Tradução de Piotr Kilanowski. In: MENDONÇA, Vanderley (Ed.). Lira argenta: poesia em tradução. Edição bilíngue. São Paulo, SP: Selo Demônio Negro, 2017. Em polonês: p. 340 e 342; em português: p. 341 e 343.

quinta-feira, 26 de setembro de 2019

Geraldo Holanda Cavalcanti - As ocasiões do poema

O ex-diplomata pernambucano e imortal da Academia Brasileira de Letras, de onde foi presidente durante o biênio 2014-2015, ao mesmo tempo que sublinha os momentos singulares durante os quais a poesia assoma à mente do poeta, evidencia o lado mais utilitário das suas ações em vida, pois, como razoa, tem “mulher e filhos em quem pensar”.

Mas não descuidemos que o interesse de Cavalcanti seja assim tão esparso – alguns momentos ímpares num par de meses –, pois o que se reflete em sua obra “A Herança de Apolo”, de 2012, é o erudito compêndio de quem se debruçou por toda uma vida sobre o que há de melhor na poesia, aqui como alhures, dantes como contemporaneamente.

J.A.R. – H.C.

Geraldo Holanda Cavalcanti
(n. 1929)

As ocasiões do poema

Razão tinha Borges se dizia
não serem cotidianas as ocasiões do poema.
Cuido agora de informes e de róis
o nec plus ultra do ofício
que o pão me justifica
e as ambições me aplaca.

Em mil segundos tudo o que
de privações do espírito me aflige
será memória de poeira
não mais, talvez, poeira de arquivo
de poluição dourada
mas poeira eletrônica
recuperável e irrecuperada.

Li Po cantava o pé da mulher amada
e mil anos o conservam fresco e perfumado.
Mas eu não sou Li Po
e tenho mulher e filhos em quem pensar.

Em: “Restolho: 1978-1998”

Monet pintando em seu
barco-estúdio em Argenteuil
(Edouard Manet: pintor francês)

Referência:

CAVALCANTI, Geraldo Holanda. As ocasiões do poema. In: __________. Poesia reunida. Introdução de Álvaro Mutis. Rio de Janeiro, RJ: Bertrand Brasil & Fundação Biblioteca Nacional, 1998. p. 200.

quarta-feira, 25 de setembro de 2019

Charles Simic - Enciclopédia do Horror

O poeta imagina algumas cenas insólitas e outras tantas que poderiam ter sido a consequência de bombardeios sobre uma cidade que, agora, se mostra algo erma, mas plena de histórias, passíveis de ser desvendadas por um tribunal que se dispusesse a compulsar as páginas do livro de memórias do que ali transcorrera.

Aliás, não apenas um mero livro de memórias, mas uma “enciclopédia” inteira, a recolher em seu leito, o rio das iniquidades que costuma fluir quando os homens decidem lançar mão de pernósticos conflitos bélicos – e jogam às favas quaisquer ponderações de ordem ética ou regras de boa vizinhança.

J.A.R. – H.C.

Charles Simic
(n. 1938)

Encyclopedia of Horror

Nobody reads it but the insomniacs.
How strange to find a child,
Slapped by his mother only this morning,
And the mad homeless woman
Who squatted to urinate in the street.

Perhaps they’ve missed someone?
That smoke-shrouded city after a bombing raid,
The corpses like cigarette butts
In a dinner plate overflowing with ashes.
But no, everyone is here.

O were you to come, invisible tribunal,
There’d be too many images to thumb through,
Too many stories to listen to,
Like the one about guards playing cards
After they were done beating their prisoner.

In: “That Little Something” (2008)

O Grande Incêndio de Londres
(Autor Desconhecido)

Enciclopédia do Horror

Ninguém para registrar senão os insones.
Que estranho encontrar uma criança,
Esbofeteada por sua mãe não mais que esta manhã,
E a louca mulher sem lar
Que se agachou para urinar na rua.

Talvez tenham sentido falta de alguém?
Essa cidade envolta em fumaça depois de um bombardeio,
Os cadáveres como baganas de cigarro
Num prato transbordando de cinzas.
Mas não, todos estão aqui.

Oh, caso viesses, invisível tribunal,
Haveria muitas imagens para examinar,
Muitas histórias para ouvir,
Como a dos guardas que jogam cartas
Depois que terminaram de surrar o prisioneiro.

Em: “Esse Algo Pequeno” (2008)

Referência:

SIMIC, Charles. Encyclopedia of horror. In: __________. New and selected poems: 1962-2012. Boston, MA; New York, NY: Houghton Mifflin Harcourt, 2013. p. 288

terça-feira, 24 de setembro de 2019

Reiner Kunze - O Fim da Arte

Tem-se aqui uma crítica a todos os sistemas políticos – da extrema-direita à extrema-esquerda –, fascistas, intervencionistas ou que tais, que teimam em toldar o dia, obstruindo a luz do sol: se um tetraz não percebe a alvorada, como se disporá a cantá-la todas as manhãs?! Vai tornar-se uma ave noturna, como a coruja.

Como sequela, o modo de expressão da arte, pelo artista opresso, tenderá a metáforas cada vez mais difíceis de decifrar, verdadeiras charadas dirigidas àqueles atentos ao poder da representação intersubjetiva. Desse modo, pode-se interpretar o poema como um libelo difundido pelos que se propõem a defender, mais deliberadamente, a liberdade de pensamento e de imprensa.

J.A.R. – H.C.

Reiner Kunze
(n. 1933)

Das Ende der Kunst

Du darst nicht, sagte die eule zum auerhahn,
du darfst nicht die sonne besingen
Die sonne ist nicht wichtig

Der auerhahn nahm
die sonne aus seinem gedicht

Du bist ein künstler,
sagte die euer zum auerhahn

Und es war schön finster

Coruja e Galo: Noite e Dia
(Autoria Desconhecida)

O Fim da Arte

Tu não deves, disse a coruja ao galo silvestre,
tu não deves cantar o sol
O sol não é importante

O galo silvestre tirou
o sol do seu poema

Tu és um artista,
disse a coruja ao galo silvestre

E foi uma beleza de escuridão

Referência:

KUNZE, Reiner. Das ende der kunst / O fim da arte. Tradução de Renato Correia. In: __________. Poemas. Traduções de Luz Videira e Renato Correia; introdução de Renato Correia. Edição coordenada por Karl Heinz Delille. Porto, PT: Paisagem, 1984. Em alemão: p. 28; em português: p. 29. (“Estudos Literários”; v. 1)

segunda-feira, 23 de setembro de 2019

Pedro Geraldo Escosteguy - Bilhete aos poetas

Este poema vai para a turma que só pensa em “dinheiro”, incapaz de sonhar com qualquer outra coisa. A turma da “Lava-Jato”, por exemplo, que queria criar uma fundação com bilhões desviados da Petrobrás. Ou mais especificamente, o Deltan Dallagnol, que almejava enricar dando palestras a três por quatro, sobre as suas diligências canalhas no Ministério Público. E por aí vai!

Mas o Moro é um caso à parte, porque canalha maior, tudo fazendo para cair de paraquedas no STF ou mesmo na presidência da república (assim, em minúsculo, dado que voltamos a um passado de republiqueta de bananas!). Sem ética, imoral, insidioso e desleal com o país: o herói dos que vivem no ápice da pirâmide social ou dos que desconhecem a realidade!

J.A.R. – H.C.

Pedro Geraldo Escosteguy
(1916-1989)

Bilhete aos poetas

Os homens que não sonham
sonham pequenas coisas:
sonham cruzeiros, dólares, francos,
sonham a chefia da seção,
a do serviço
e a da repartição.
Há os que sonham a casa do governo
a chefia da polícia
ou a Presidência do Super Conselho
de Segurança da Paz Contra as Guerras
Futuras.
Os homens que não sonham
sonham com a promoção
sonham com a graça de Deus
e o apoio dos outros homens.
Sonham dar os passos
maiores que as pernas
sonham encontrar quem proporcione
os seus sonhos de lucros
extraordinários
e cadilaques.
Os homens que não sonham
às vezes sonham coisas boas
quando não sonham o crime e a morte.
Detestáveis são os homens
que, como nós, escrevem o que sonham.
Imaginem a cara dos homens
que não sonham
sabendo que sonhamos a perfeição
da figura humana.
Que sonhamos com a paz
sem símbolos fictícios
nem cachimbadas de traição
porque nos revoltam as estratégias
destruidoras.
Que sonhamos cultura
como podem sonhar os que sonham
com amor.
E que nem montanhas
de cruzeiros, de dólares ou de francos
poderiam comprar
o nosso mais humilde sonho
de liberdade.

Em: “Poesia Quixote”

Americanização da Califórnia
(Dean Cornwell: pintor norte-americano)

Referência:

ESCOSTEGUY, Pedro Geraldo. Bilhete aos poetas. In: __________. Poesia reunida. Organização de Martha Goya. Porto Alegre, RS: L&PM & EDIPUCRS, 1996. p. 123-124.