Bobrowski, poeta e escritor alemão, decerto
dialoga, neste poema, com um outro poema de Chagall – que, de fato, foi um
grande pintor russo-francês de origem judaica –, já aqui postado, qual seja, “Só é meu o país que trago dentro da alma” (“Seul est mien le pays qui se trouve dans mon
ame”), na tradução de Manuel Bandeira.
Os versos remetem à tradição judaica do leste
europeu, com suas lendas e contos de fadas, lastro cultural que sofreu o forte
impacto das perseguições da 2GM. Note-se que as palavras de Bobrowski engendram
certa visão apocalíptica à volta da cidade onde Chagall nasceu – Witebsk, hoje
localizada na Bielorússia –, destruída naquela conflagração, ao mesmo tempo que
procura projetar um mundo de catarse e redenção.
J.A.R. – H.C.
Johannes Bobrowski
(1917-1965)
Die Heimat des Malers Chagall
Noch um die Häuser
der Wälder trockener
Duft,
Rauschbeere und Erdmoos.
Und die Wolke Abend,
sinkend um Witebsk,
aus eigener
Finsternis tönend.
Ein schütt’res
Lachen darin, als der
Ahn
lugte vom Dach
in den Hochzeitstag.
Und wir hingen in
Träumen.
Aber es ist
Verläßliches
um unsrer Väter
Heimatgestirne gegangen,
bärtig, wie Engel,
und zitternden Mundes,
mit Flügeln aus
Weizenfeldern:
Nähe des Künftigen,
dieser
brennende
Hörnerschall
da es dunkelt, die
Stadt
schwimmt durch
Gewölk,
rot.
A noiva com um rosto azul
(Marc Chagall: pintor
russo-francês)
A pátria do pintor Chagall
Envolvendo as casas
ainda
o ar seco das
florestas,
a baga inebriante e o
musgo da terra.
E a noite caindo
nuvem
sobre Witebsk,
ecoando das
suas próprias trevas.
Lá dentro
um riso ralo, com o
antepassado
a espreitar do
telhado
para o dia da boda.
E nós suspensos de
sonhos.
Mas o seguro passou
pelos astros da terra
dos nossos pais,
barbudo, como anjos,
e de boca tremente,
com asas de searas de
trigo:
Proximidade do
futuro, este
escaldante som de
trompas
quando anoitece, a
cidade
à deriva em castelos
de nuvens,
vermelha.
Referência:
BOBROWSKI, Johannes.
Die heimat des malers Chagall / A pátria do pintor Chagall. Tradução de João
Barrento. In: __________. Como um
respirar: antologia poética. Edição bilíngue. Selecção, tradução introdução
e notas de João Barrento. Lisboa, PT: Edições Cotovia, 1990. Em alemão: p. 28;
em português: p. 29.
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