No jardim abstrato de Crane parece que há a conscientização de que a
natureza existe e se manifesta de modo indiferente e impessoal ao universo imaginativo
do poeta, distintamente do padrão antropomórfico, por meio do qual atribuímos emoções e valores humanas a fatos da natureza. Nesse contexto, quase não se
percebe que o poema de Crane associa-se ao mito de Eva no Paraíso, tal é o
assombro como a natureza absorve a sua humanidade.
Uma mulher, enquanto árvore, tem o desejo simbolizado na maçã, estando
as suas esperanças, lembranças e receios ao fundo – na grama e na sombra a seus
pés –, podendo-se ainda associar as demais características físicas e
psicológicas a outros tantos elementos: o ramo sustém-lhe a respiração; a voz
se articula com os movimentos dos galhos; a mulher sonha ser a própria
árvore; o vento tece-lhe as veias. Contudo, bem pode o ostensivo desejo revelar-se,
assim como no Gênesis, um afã por conhecimento e ciência – e não só por
sensualidade!
J.A.R. – H.C.
Hart Crane
(1899-1932)
Garden Abstract
The apple on its
bough is her desire, –
Shining suspension,
mimic of the sun.
The bough has caught
her breath up, and her voice,
Dumbly articulate in
the slant and rise
Of branch on branch
above her, blurs her eyes.
She is prisoner of
the tree and its green fingers.
And so she comes to
dream herself the tree,
The wind possessing
her, weaving her young veins,
Holding her to the
sky and its quick blue,
Drowning the fever of
her hands in sunlight.
She has no memory,
nor fear, nor hope
Beyond the grass and
shadows at her feet.
Jardins suspensos
(Rachel Bingaman:
pintora norte-americana)
Jardim Abstrato
A maçã sobre seu ramo
é seu desejo, –
Brilhante suspensão e
mímica do sol.
O ramo aprisionou-lhe
o sopro, e sua voz
Mudamente articulada
na queda e na ascensão
De galho sobre galho
acima dela ofusca-a
Prisioneira da árvore
e de seus dedos verdes.
E sonha-se ela assim
a própria árvore,
Possuída pelo vento,
que lhe tece as veias jovens,
Segurando-a contra o
céu e o azul breve
Mergulhando no sol a
febre de seus braços.
Não tem memória, medo
ou esperança
Além da grama e das
sombras a seus pés.
Referência:
CRANE, Hart. Garden abstract / Jardim
abstrato. Tradução de Mário Faustino. In: __________. Poesia completa & Poesia traduzida. Introdução, organização e
notas de Benedito Nunes. 1. ed. São Paulo, SP: Max Limonad, 1985. Em inglês: p.
292; em português: p. 293.
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