Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

sexta-feira, 7 de dezembro de 2018

Hart Crane - Jardim Abstrato

No jardim abstrato de Crane parece que há a conscientização de que a natureza existe e se manifesta de modo indiferente e impessoal ao universo imaginativo do poeta, distintamente do padrão antropomórfico, por meio do qual atribuímos emoções e valores humanas a fatos da natureza. Nesse contexto, quase não se percebe que o poema de Crane associa-se ao mito de Eva no Paraíso, tal é o assombro como a natureza absorve a sua humanidade.

Uma mulher, enquanto árvore, tem o desejo simbolizado na maçã, estando as suas esperanças, lembranças e receios ao fundo – na grama e na sombra a seus pés –, podendo-se ainda associar as demais características físicas e psicológicas a outros tantos elementos: o ramo sustém-lhe a respiração; a voz se articula com os movimentos dos galhos; a mulher sonha ser a própria árvore; o vento tece-lhe as veias. Contudo, bem pode o ostensivo desejo revelar-se, assim como no Gênesis, um afã por conhecimento e ciência – e não só por sensualidade!

J.A.R. – H.C.

Hart Crane
(1899-1932)

Garden Abstract

The apple on its bough is her desire, –
Shining suspension, mimic of the sun.
The bough has caught her breath up, and her voice,
Dumbly articulate in the slant and rise
Of branch on branch above her, blurs her eyes.
She is prisoner of the tree and its green fingers.

And so she comes to dream herself the tree,
The wind possessing her, weaving her young veins,
Holding her to the sky and its quick blue,
Drowning the fever of her hands in sunlight.
She has no memory, nor fear, nor hope
Beyond the grass and shadows at her feet.

Jardins suspensos
(Rachel Bingaman: pintora norte-americana)

Jardim Abstrato

A maçã sobre seu ramo é seu desejo, –
Brilhante suspensão e mímica do sol.
O ramo aprisionou-lhe o sopro, e sua voz
Mudamente articulada na queda e na ascensão
De galho sobre galho acima dela ofusca-a
Prisioneira da árvore e de seus dedos verdes.

E sonha-se ela assim a própria árvore,
Possuída pelo vento, que lhe tece as veias jovens,
Segurando-a contra o céu e o azul breve
Mergulhando no sol a febre de seus braços.
Não tem memória, medo ou esperança
Além da grama e das sombras a seus pés.

Referência:

CRANE, Hart. Garden abstract / Jardim abstrato. Tradução de Mário Faustino. In: __________. Poesia completa & Poesia traduzida. Introdução, organização e notas de Benedito Nunes. 1. ed. São Paulo, SP: Max Limonad, 1985. Em inglês: p. 292; em português: p. 293.

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