Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

sábado, 15 de dezembro de 2018

Renato Castelo Branco - Os Sertões

Com aquele sentido do sertão de Rosa ou de Euclides, robusto em termos recriados ao linguajar das terras ásperas do semiárido brasileiro, Renato sabe do que trata quando se põe a transplantar em palavras o rigor que enfrentam os seres sencientes sob o sol escaldante da caatinga, pois nasceu ele no Piauí, estado que também está inscrito no denominado polígono das secas.

Há beleza mesmo onde a natureza se manifesta penosamente: do suor e da lágrima, o escritor é capaz de extrair a essência do universal, ainda que delimitado pelo espaço e pelo tempo, haja vista que o homem a todas as vicissitudes contorna com a potência de sua vontade. Afinal, o sertanejo é ou não um forte?!

J.A.R. – H.C.

Renato Castelo Branco
(1914-1995)

Os Sertões

Principiam os Sertões.

Nas planuras extensas das chapadas,
como um tumor que brota das entranhas,
raros morros se aprumam desgarrados,
exumando a ossatura das montanhas.

A paragem é sinistra e desolada.
No horizonte monótono se esbate
o pardo da caatinga requeimada.
Arbúsculos raquíticos se erguem
– no desmantelo dos cerros desnudos —
enredados de esgalhos, de onde irrompem,
solitários, cereus rígidos, mudos.

Nas depressões entre as colinas nuas,
como espectros de árvores sinistras,
crescem mandacarus tristes, despidos,
demarcando no chão poento e pardo,
leitos de ribeirões extintos, ressequidos.

E há em tudo o sinal das convulsões extremas,
do regime brutal dos climas excessivos:
o enterroado do chão, os ermos taboleiros,
a flora embaralhada em esgalhos convulsivos.

Resquícios de velhíssimas chapadas,
pelas abas dos cerros tumultuam
lastros de seixos, lajes fraturadas.

No incêndio brutal dos dias causticantes.
ferida pelo sol, a terra esbraseada
absorve-lhe os raios ofuscantes.
E multiplica-os,
e reflete-os,
e refrata-os,
pelo topo dos cerros incendidos,
pelo barranco em fogo das escostas,
pelos lajedos superaquecidos.
A atmosfera vibra junto ao chão
num ondular de bocas de fornalha.
E o dia, incomparável no fulgor,
fulmina a natureza entorpecida,
em cujo seio abate-se num espasmo
a galhada da flora sucumbida!

Sertão: o vaqueiro nordestino
(Autoria Desconhecida)

Referência:

BRANCO, Renato Castelo. Os sertões. In: __________. Poemas do grande sertão. São Paulo, SP: T. A. Queiroz, 1993. p. 21-22.

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