Com aquele sentido do sertão de Rosa ou de Euclides, robusto em termos
recriados ao linguajar das terras ásperas do semiárido brasileiro, Renato sabe
do que trata quando se põe a transplantar em palavras o rigor que enfrentam os
seres sencientes sob o sol escaldante da caatinga, pois nasceu ele no Piauí,
estado que também está inscrito no denominado polígono das secas.
Há beleza mesmo onde a natureza se manifesta penosamente: do suor e da
lágrima, o escritor é capaz de extrair a essência do universal, ainda que
delimitado pelo espaço e pelo tempo, haja vista que o homem a todas as
vicissitudes contorna com a potência de sua vontade. Afinal, o sertanejo é ou
não um forte?!
J.A.R. – H.C.
Renato Castelo Branco
(1914-1995)
Os Sertões
Principiam os
Sertões.
Nas planuras extensas
das chapadas,
como um tumor que
brota das entranhas,
raros morros se
aprumam desgarrados,
exumando a ossatura
das montanhas.
A paragem é sinistra
e desolada.
No horizonte monótono
se esbate
o pardo da caatinga
requeimada.
Arbúsculos raquíticos
se erguem
– no desmantelo dos
cerros desnudos —
enredados de esgalhos,
de onde irrompem,
solitários, cereus
rígidos, mudos.
Nas depressões entre
as colinas nuas,
como espectros de
árvores sinistras,
crescem mandacarus
tristes, despidos,
demarcando no chão
poento e pardo,
leitos de ribeirões
extintos, ressequidos.
E há em tudo o sinal
das convulsões extremas,
do regime brutal dos
climas excessivos:
o enterroado do chão,
os ermos taboleiros,
a flora embaralhada
em esgalhos convulsivos.
Resquícios de
velhíssimas chapadas,
pelas abas dos cerros
tumultuam
lastros de seixos,
lajes fraturadas.
No incêndio brutal
dos dias causticantes.
ferida pelo sol, a
terra esbraseada
absorve-lhe os raios
ofuscantes.
E multiplica-os,
e reflete-os,
e refrata-os,
pelo topo dos cerros
incendidos,
pelo barranco em fogo
das escostas,
pelos lajedos
superaquecidos.
A atmosfera vibra
junto ao chão
num ondular de bocas
de fornalha.
E o dia, incomparável
no fulgor,
fulmina a natureza
entorpecida,
em cujo seio abate-se
num espasmo
a galhada da flora
sucumbida!
Sertão: o vaqueiro nordestino
(Autoria
Desconhecida)
Referência:
BRANCO, Renato Castelo. Os sertões. In:
__________. Poemas do grande sertão.
São Paulo, SP: T. A. Queiroz, 1993. p. 21-22.
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