Com sete quadras compostas por versos de distintas quantidades de
sílabas poéticas, todas rimadas contudo, Régio relembra o número de dias da
semana em que Deus teria criado o universo, associando tal fato ao nascimento
de uma criança que, a cada ano, refaz o seu mundo numa caverna onde o ato mesmo
de manifestar-se revela-se eterno.
Nota-se a translação do que se passa no presépio à escala de toda a
humanidade, sustentado-a sob um sol de verdade e fé, em oferta contínua de luz
para fulminar os meandros mais sombrios que a alguns atingem, vez por outra,
trazendo-os, enquanto ovelhas desencaminhadas, ao grande corpo das muitas
outras ovelhas que não se desgarraram.
J.A.R. – H.C.
José Régio
(1901-1969)
Natal
Nascença Eterna,
Nasce mais uma vez!
Refaz a humílima
Caverna
Que nunca se desfez.
Distância Transcendente,
Chega-te, uma vez
mais,
Tão perto que te
aqueças, como a gente,
No bafo dos obscuros
animais.
Os que te dizem não,
Os épicos do absurdo,
Que afirmarão, na sua
negação,
Senão seu olho cego,
ouvido surdo?
Infelizes supremos,
Com seu fracasso
alcançam nomeada,
E contentes se atiram
aos extremos
Do seu nada.
Na nossa ambiguidade,
Somos piores, nós,
talvez,
E uns e outros só
vemos a verdade
Que, Verdade de
Sempre!, tu nos dês.
Se nada tem sentido
sem a fé
No seu sentido, Sol que
não te apagas,
Rompe mais uma vez na
noite, que não é
Senão o dia de outras
plagas.
Perpétua Luz,
Contínua Oferta
À nossa escuridade
interna,
Abre-te, Porta sempre
aberta,
Mais uma vez, na humílima
Caverna.
Em: “Colheita da Tarde” (1971)
(Volume póstumo)
Cena da Natividade
Detalhe
(Bernardinus Indisur:
artista italiano)
Referência:
RÉGIO, José. Natal. In: __________. Antologia. Seleção e organização de
Cleonice Berardinelli. Rio de Janeiro, RJ: Nova Fronteira, 1985. p. 266-267.
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