Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

domingo, 30 de dezembro de 2018

John Clare - O Ano Velho

Bem próximo à virada do ano, temos o costume de nos desfazer de coisas que já não fazem mais sentido para nós: papéis velhos, roupas por demais (ou jamais) usadas, coisas que, de uma forma ou de outra, entulham os nossos lares e que poderiam ser mais bem aproveitadas por outras pessoas.

E de um ano que se adjetiva como passado, Clare nos alerta para o fato de que é tempo que não volta mais, para ser novamente experimentado, muito embora os seus efeitos sejam palpáveis no ambiente à volta, haja vista que temos meios para constatar as mudanças provocadas em nossas vidas – quer sobre o que nos pertence quer sobre nossos corpos.

J.A.R. – H.C.

John Clare
(1793-1864)
Retrato de William Hilton

The Old Year

The Old Year’s gone away
To nothingness and night:
We cannot find him all the day
Nor hear him in the night:
He left no footstep, mark or place
In either shade or sun:
The last year he’d a neighbour’s face,
In this he’s known by none.

All nothing everywhere:
Mists we on mornings see
Have more of substance when they’re here
And more of form than he.
He was a friend by every fire,
In every cot and hall –
A guest to every heart’s desire,
And now he’s nought at all.

Old papers thrown away,
Old garments cast aside,
The talk of yesterday,
Are things identified;
But time once torn away
No voices can recall:
The eve of New Year’s Day
Left the Old Year lost to all.

(1845)

Lareira de Natal
(John Sloane: pintor norte-americano)


O Ano Velho

O Ano Velho dispersou-se
Nas trevas e na não existência:
Não deparamos com ele todo o dia,
Tampouco o escutamos à noite:
Não deixou rastro, marca ou lugar
Nalgum sol ou penumbra:
O ano findo tinha a cara de um vizinho,
Motivo por que ninguém o conhece.

Nada há de seu em parte alguma:
As brumas que vemos nas manhãs
Exibem mais substância quando aqui estão
E mais forma do que ele.
Era companhia à volta de cada lareira,
Em qualquer choupana ou salão –
Um hóspede de todo desejo do coração,
E agora não é nada em absoluto.

Papéis velhos jogados fora,
Roupas gastas deixadas de lado,
A conversa de ontem,
São coisas passíveis de comprovar;
Porém do tempo, uma vez arrebatado,
Não há vozes capazes de recordar:
A véspera do Dia de Ano Novo
Fez do Ano Velho uma perda para todos.

(1845)

Referência:

CLARE, John. The old year. In: __________. Poems: chiefly from manuscript. London, EN: Richard Cobden-Sanderson, 1920. p. 202.


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