Até que se conheça o derradeiro verso deste poema de Larkin, tudo se
passa como se o poeta inglês estivesse descrevendo algum cenário litorâneo da
ilha britânica, sem ir muito além do plano local, quanto ao sentido que, então,
se poderia atribuir à mensagem nele encerrada.
Contudo, no fecho do poema, Larkin expõe-se para veicular um significado
com conteúdo mais aberto – pungente e universal –, sobre a natureza da condição
humana: há suficiente alegria em libertar-se não só do potencial alheamento de
nossas blindagens autoimpostas, como também das obsessões e balizas
quotidianas, que nos são compelidas por uma visão por demais empírica do mundo.
As componentes simbólicas do verso fazem-no fluir em saltos: passa-se do
mar às águas-furtadas e destas à própria ausência, tal que, ao final, fica-nos
a sensação de transcendência que o poeta quer-nos transmitir, muito além das
circunscrições meramente familiares ou reservadas.
J.A.R. – H.C.
Comentário de Philip Larkin sobre
“Ausências”
Suponho que goste de
“Ausências” (a) em razão de seu tema – sempre me entusiasmo com a ideia de como
os lugares parecem quando lá não estou; (b) porque imagino que faz soar como se
fosse um poeta diferente, melhor do que efetivamente sou. O derradeiro período,
por exemplo, soa como uma tradução ligeiramente inconsistente de um simbolista
francês; gostaria de poder escrever assim mais amiúde.
Incidentalmente, um
oceanógrafo me escreveu assinalando que eu estava confundindo dois tipos de
ondas – ondas de mergulho ou tubulares e ondas de derramamento ou deslizantes
–, o que teria provocado danos ao poema sob o ponto de vista técnico. Sinto-o
muito, porém não vejo como emendá-lo agora. (ENGLE; LANGLAND, 1962, p. 202-203)
Philip Larkin
(1922-1985)
Absences
Rain patters on a sea that tilts and sighs.
Fast-running floors, collapsing into hollows,
Tower suddenly, spray-haired. Contrariwise,
A wave drops like a wall: another follows,
Wilting and scrambling, tirelessly at play
Where there are no ships and no shallows.
Above the sea, the yet more shoreless day,
Riddled by wind, trails lit-up galleries:
They shift to giant ribbing, sift away.
Such attics cleared of me! Such absences!
Ouro Líquido
(Wade Koniakowsky:
pintor norte-americano)
Ausências
A chuva salpica um
mar que se inclina e suspira.
Planos intensamente
velozes, colapsando em depressões,
Sobem de repente, aspergindo
crinas de espuma.
Em sentido oposto,
Uma onda desmorona qual
um muro: outra a segue,
Perdendo força e a
resvalar, numa pugna infatigável
Onde não há batéis
nem bancos de areia.
Por cima do mar, o
dia mais ilimitado ainda,
Penetrado pelo vento,
vagueia por galerias iluminadas:
Convertidas em
imensas nervuras, elas se afastam.
Esses áticos de mim
liberados! Essas ausências!
Referência:
LARKIN, Philip. Absences. In: ENGLE,
Paul; LANGLAND, Joseph (Eds.). Poet’s
choice. New York, NY: The Dial Press, 1962. p. 202.
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