Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

sexta-feira, 14 de dezembro de 2018

Harry Howith - Prioridades

Harry Howith (1934-2014), poeta canadense, destila certas formulações satíricas em meio à cena de dor, experimentada pelo amigo – Daniel Knight –, que está morrendo aos poucos de câncer, internado num hospital: a derradeira inflexão busca desnortear o leitor, de forma a acentuar a antinomia que se define pelas “prioridades” do título.

O amigo volta-se já aos primados espirituais, mesmo que ainda exteriorize algumas esperanças remanescentes de cura. Mas o poeta, por outro lado, encontra-se submerso na prevalência de suas necessidades financeiras e materiais – e como que se desculpando, acaba por pedir emprestado algum dinheiro ao moribundo!

Custa-me crer que os fatos sucederam exatamente como Howith os descreve: talvez a luta por manter-se vivo – de uma banda, no meio do caminho; de outra, nas regiões lindeiras da morte –, serviu apenas de mote para a elaboração do poema. Fosse como fosse, de minha parte, penso que em tais circunstâncias, nem cogitaria em buscar ajuda, ainda que premido pela escassez!

J.A.R. – H.C.

A morte de Sócrates
(Jacques-Louis David: pintor francês)

Priorities
in memoriam Daniel Knight

A classic carcinoma is deployed
through my friend’s lymph and marrow;
he, devout Catholic, doubtless
prays privately to reconcile
God’s sparrow-charity with slow
twenty-six-year-old dying, but

with visitors at his hospital bed,
between chemotherapy and radiation,
he jokes about the cigarette machine
in the lobby, and bears with love
memorial dreams of health that flicker
sometimes in his lovely wife’s clear eyes.

Meanwhile, twisting wire coathangers
into fantastical and meaningless mandalas,
I bitch about going broke
on ten thousand a year, and listen to you
fret on your psychological guitar
about “more honest human relationships”.

Hobbling on canes my cancer-blasted friend
lights candles for our conversion,
as I light up another cigarette,
and you light up another epigram,
and many ingenious sick cells
strangle his body and our souls.

If this is seemly,
loan me twenty bucks till payday.

No leito da morte
(Edvard Munch: pintor norueguês)

Prioridades
in memoriam Daniel Knight

Um clássico carcinoma se expande
através da linfa e da medula de meu amigo;
ele, um católico devoto, sem dúvida,
ora em particular para reconciliar
a insondável caridade de Deus com a lenta
morte aos vinte e seis anos, mas

com os que o visitam em seu leito hospitalar,
entre a quimioterapia e a radiação,
ele galhofa na antessala, junto à
máquina de cigarros, e sustenta com amor
sonhos memoráveis de saúde que, vez por outra,
cintilam nos olhos claros de sua adorável esposa.

Enquanto isso, retorcendo cabides metálicos
em mandalas fantásticas e sem sentido,
atormento-me em ir à falência
com dez mil por ano, e ouço você
preocupar-se, à roda de seu violão psicológico,
com “relações humanas mais honestas”.

Manquejando sobre bengalas, meu amigo,
arruinado pelo câncer,
acende velas pela nossa conversão,
enquanto acendo outro cigarro,
e você inflama outro epigrama,
e muitas células engenhosas e doentes
estrangulam seu corpo e nossas almas.

Se isto for decente,
empreste-me vinte dólares até o dia
do pagamento.

Referência:

HOWITH, Harry. Priorities. In: LOCHHEAD, Douglas; SOUSTER, Raymond (Eds.). Made in Canada: new poems of the seventies. Ottawa (CA): Oberon Press, 1970 (reprinted 1971). p. 103.

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