Percebem-se alguns indícios visuais do elemento divino – que o poeta
está à busca, sobretudo, dentre de si –, nesta seção inicial dos “Preludes for
Memnon ou Preludes to Attitude” (“Prelúdios para Mêmnon ou Prelúdios à Atitude”),
de 1931, plena, da mesma forma, de tonalidades musicais, evocativas e
contemplativas.
Tem-se a impressão de que o ente lírico não se sente confortável com o
lado contingente do mundo. E a identificação do amor com o caos e a destruição,
nos versos derradeiros, acaba por acentuar o tom de desespero em face da
natureza transitória de tudo quanto existe.
Daí o propósito de se subir até o expansivo e metafísico universo de
Mêmnon, a figura mitológica a quem se atribui o pretenso projeto de atingir a
perfeita sabedoria, reinterpretando antigos valores e crenças, com o objetivo de se poder conquistar uma identidade duradoura, essencialmente conectada ao todo cósmico.
Obs.: Este é o começo de nossas postagens de final de ano, dedicadas a
poemas que disponham de mensagens espirituais, natalinas ou que lembrem os
símbolos da quadra.
J.A.R. – H.C.
Conrad Aiken
(1889-1973)
Winter for a moment takes the mind
Winter for a moment
takes the mind; the snow
Falls past the
arclight; icicles guard a wall;
The wind moans
through a crack in the window;
A keen sparkle of
frost is on the sill.
Only for a moment; as
spring too might engage it,
With a single crocus
in the loam, or a pair of birds;
Or summer with hot
grass; or autumn with a yellow leaf.
Winter is there,
outside, is here in me:
Drapes the planets
with snow, deepens the ice on the moon,
Darkens the darkness
that was already darkness.
The mind too has its
snows, its slippery paths,
Walls bayonetted with
ice, leaves ice-encased.
Here is the in-drawn
room, to which you return
When the wind blows
from Arcturus: here is the fire
At which you warm
your hands and glaze your eyes;
The piano, on which
you touch the cold treble;
Five notes like
breaking icicles; and then silence.
The alarm-clock
ticks, the pulse keeps time with it,
Night and the mind
are full of sounds. I walk
From the fire-place,
with its imaginary fire,
To the window, with
its imaginary view.
Darkness, and snow
ticking the window: silence,
And the knocking of
chains on a motor-car, the tolling
Of a bronze bell,
dedicated to Christ.
And then the uprush
of angelic wings, the beating
The darkness filled
with a feathery whistling, wings
Numberless as the
flakes of angelic snow,
The deep void
swarming with wings and sound of wings,
The winnowing of
chaos, the aliveness
Of depth and depth
and depth dedicated to death.
Here are bickerings
of the inconsequential,
The chatterings of
the ridiculous, the iterations
Of the meaningless.
Memory, like a juggler,
Tosses its colored
balls into the light, and again
Receives them into
darkness. Here is the absurd,
Grinning like an
idiot, and the omnivorous quotidian,
Which will have its
day. A handful of coins,
Tickets, items from
the news, a soiled handkerchief,
A letter to be
answered, notice of a telephone call,
The petal of a flower
in a volume of Shakespeare,
The program of a
concert. The photograph, too,
Propped on the
mantel, and beneath it a dry rosebud;
The laundry bill,
matches, and ash-tray, Utamaro’s
Pearl-fishers. And
the rug, on which are still the crumbs
Of yesterday’s feast.
These are the void, the night,
And the angelic wings
that make it sound.
What is the flower?
It is not a sigh of color,
Suspiration of
purple, sibilation of saffron,
Nor aureate
exhalation from the tomb.
Yet is these because
you think of these,
An emanation of
emanations, fragile
As light, or glisten,
or gleam, or coruscation,
Creature of
brightness, and as brightness brief.
What is the frost? It
is not the sparkle of death,
The flash of time’s
wing, seeds of eternity;
Yet it is these
because you think of these.
And you, because you
think of these, are both
Frost and flower, the
bright ambiguous syllable
Of which the meaning
is both no and yes.
Here is the tragic,
the distorting mirror
In which your gesture
becomes grandiose;
Tears form and fall
from your magnificent eyes,
The brow is noble,
and the mouth is God’s.
Here is the God who
seeks his mother, Chaos,–
Confusion seeking
solution, and life seeking death.
Here is the rose that
woos the icicle; the icicle
That woos the rose.
Here is the silence of silences
Which dreams of
becoming a sound, and the sound
Which will perfect
itself in silence. And all
These things are only
the uprush from the void,
The wings angelic and
demonic, the sound of the abyss
Dedicated to death.
And this is you.
Dia de inverno na Praça do Rei
em Copenhague
(Paul Gustav Fischer:
pintor dinamarquês)
Por um momento o inverno invade o
espírito
Por um momento o
inverno invade o espírito; a neve
Cai para além da luz;
o gelo recobre um muro;
O vento se queixa por
uma brecha na janela.
Há uma centelha vivaz
de geada no peitoril.
Apenas por um
momento; também o invadiria a primavera
Cora apenas oxidar a
terra, com um par de pássaros;
Ou o inverno com a
relva quente; ou o outono, uma folha
amarela.
Eis o inverno lá
fora, ei-lo aqui em mim.
Com neve emoldura
planetas, aprofunda o gelo na lua
Escurece a escuridão
que era já escuridão.
Também tem suas neves
o espírito e vias deslizantes.
Paredes com baionetas
de gelo, folhas congeladas.
Eis o aposento
embainhado em si e ao qual você retorna
Quando o vento sopra
desde Arcturus: eis o fogo
Com que se aquecem as
mãos, se turvam os olhos;
O piano em que você
toca o frígido agudo;
Cinco notas como
pingentes fraturados; e então, silêncio.
Toca o despertador,
com ele o pulso acerta o passo
A noite e o espírito
vão cheios de sons. Eu caminho
Da lareira com seu
fogo imaginário
Para a janela com sua
vista imaginária.
A escuridão, a neve
batendo na janela: silêncio
E o ruído das
correntes de um caminhão, as pancadas
De um sino de bronze
voltado a Cristo.
E a eclosão de asas
angélicas, de asas
Demoníacas do abismo
do espírito:
A escuridão plena de
veludoso silvar, asas
Inumeráveis como os
flocos de neve,
O vazio profundo em
turbilhão com asas e o som de asas,
A discriminação do
caos, a vitalidade
Da profundeza, a
profundeza dedicada à morte.
Aqui estão as rixas
do inconseqüente,
A tagarelice do
ridículo, as repetições
Do sem sentido. A
memória como um malabarista
Atira à luz seus
balões coloridos
E os recupera na sombra.
Eis o absurdo
Gargalhando como um
idiota o quotidiano onívoro
Que terá seu dia. Um
punhado de moedas,
Talões, recortes, um
lenço enlameado,
Uma carta a
responder, o aviso de um telefonema.
Uma pétala num livro
de Shakespeare.
O programa de um
concerto. O retrato também,
Repousado na toalha e
embaixo dele um botão de rosa;
A nota da lavanderia,
fósforos, um cinzeiro, os pescadores
De pérolas de
Utamaro. O tapete com as migalhas restantes
Da festa de ontem.
São o vazio, a noite
E as asas dos anjos
que lhes dão voz.
A flor o que é? Não o
lamento da cor.
Suspiro da púrpura,
sibilos do açafrão,
Nem áureas exalações
do sepulcro.
Mas é tudo isto
porque você pensa nisto.
Uma emanação de
emanações, frágil
Como a luz, fulgor,
cintilação,
Criação do brilho e
como o brilho, breve.
E que é a geada? Não
a centelha da morte.
Lume da asa do tempo,
sementes do eterno;
Mas é tudo isto
porque você pensa nisto.
E você, por pensar
nisto, é ao mesmo tempo
Flor e geada,
luminosa sílaba ambígua
Cujo sentido é
igualmente sim e não.
Eis o trágico, o
espelho deformante
Era que seu gesto
aparece grandioso;
De seus olhos
magníficos, lágrimas caem;
A fronte é nobre, a
boca é a de Deus.
Eis o Deus que
procura a própria mãe – o Caos;
A desordem buscando
solução, a vida buscando a morte.
A rosa corteja a
lança de gelo; esta
Corteja a rosa,
também. Eis o silêncio dos silêncios
e sonha ser um som e
o som
Que se completará no
silêncio e todas
Estas coisas
eclodiram do vazio.
As asas de anjos e
demônios, o som do abismo
Dedicado à morte. E
isto é você.
Referência:
AIKEN, Conrad. Winter for a moment
takes the mind / Por um momento o inverno invade o espírito. Tradução de Jorge
Wanderley. In: WANDERLEY, Jorge (Seleção, tradução e notas). Antologia da nova poesia norte-americana.
Rio de Janeiro, RJ: Civilização Brasileira, 1992. Em inglês: p. 176, 178 e 180;
em português: p. 177, 179 e 181.
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