Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

domingo, 16 de dezembro de 2018

Conrad Aiken - Por um momento o inverno invade o espírito

Percebem-se alguns indícios visuais do elemento divino – que o poeta está à busca, sobretudo, dentre de si –, nesta seção inicial dos “Preludes for Memnon ou Preludes to Attitude” (“Prelúdios para Mêmnon ou Prelúdios à Atitude”), de 1931, plena, da mesma forma, de tonalidades musicais, evocativas e contemplativas.

Tem-se a impressão de que o ente lírico não se sente confortável com o lado contingente do mundo. E a identificação do amor com o caos e a destruição, nos versos derradeiros, acaba por acentuar o tom de desespero em face da natureza transitória de tudo quanto existe.

Daí o propósito de se subir até o expansivo e metafísico universo de Mêmnon, a figura mitológica a quem se atribui o pretenso projeto de atingir a perfeita sabedoria, reinterpretando antigos valores e crenças, com o objetivo de se poder conquistar uma identidade duradoura, essencialmente conectada ao todo cósmico.

Obs.: Este é o começo de nossas postagens de final de ano, dedicadas a poemas que disponham de mensagens espirituais, natalinas ou que lembrem os símbolos da quadra.

J.A.R. – H.C.

Conrad Aiken
(1889-1973)

Winter for a moment takes the mind

Winter for a moment takes the mind; the snow
Falls past the arclight; icicles guard a wall;
The wind moans through a crack in the window;
A keen sparkle of frost is on the sill.
Only for a moment; as spring too might engage it,
With a single crocus in the loam, or a pair of birds;
Or summer with hot grass; or autumn with a yellow leaf.
Winter is there, outside, is here in me:
Drapes the planets with snow, deepens the ice on the moon,
Darkens the darkness that was already darkness.
The mind too has its snows, its slippery paths,
Walls bayonetted with ice, leaves ice-encased.
Here is the in-drawn room, to which you return
When the wind blows from Arcturus: here is the fire
At which you warm your hands and glaze your eyes;
The piano, on which you touch the cold treble;
Five notes like breaking icicles; and then silence.

The alarm-clock ticks, the pulse keeps time with it,
Night and the mind are full of sounds. I walk
From the fire-place, with its imaginary fire,
To the window, with its imaginary view.
Darkness, and snow ticking the window: silence,
And the knocking of chains on a motor-car, the tolling
Of a bronze bell, dedicated to Christ.
And then the uprush of angelic wings, the beating
The darkness filled with a feathery whistling, wings
Numberless as the flakes of angelic snow,
The deep void swarming with wings and sound of wings,
The winnowing of chaos, the aliveness
Of depth and depth and depth dedicated to death.

Here are bickerings of the inconsequential,
The chatterings of the ridiculous, the iterations
Of the meaningless. Memory, like a juggler,
Tosses its colored balls into the light, and again
Receives them into darkness. Here is the absurd,
Grinning like an idiot, and the omnivorous quotidian,
Which will have its day. A handful of coins,
Tickets, items from the news, a soiled handkerchief,
A letter to be answered, notice of a telephone call,
The petal of a flower in a volume of Shakespeare,
The program of a concert. The photograph, too,
Propped on the mantel, and beneath it a dry rosebud;
The laundry bill, matches, and ash-tray, Utamaro’s
Pearl-fishers. And the rug, on which are still the crumbs
Of yesterday’s feast. These are the void, the night,
And the angelic wings that make it sound.

What is the flower? It is not a sigh of color,
Suspiration of purple, sibilation of saffron,
Nor aureate exhalation from the tomb.
Yet is these because you think of these,
An emanation of emanations, fragile
As light, or glisten, or gleam, or coruscation,
Creature of brightness, and as brightness brief.
What is the frost? It is not the sparkle of death,
The flash of time’s wing, seeds of eternity;
Yet it is these because you think of these.
And you, because you think of these, are both
Frost and flower, the bright ambiguous syllable
Of which the meaning is both no and yes.

Here is the tragic, the distorting mirror
In which your gesture becomes grandiose;
Tears form and fall from your magnificent eyes,
The brow is noble, and the mouth is God’s.
Here is the God who seeks his mother, Chaos,–
Confusion seeking solution, and life seeking death.
Here is the rose that woos the icicle; the icicle
That woos the rose. Here is the silence of silences
Which dreams of becoming a sound, and the sound
Which will perfect itself in silence. And all
These things are only the uprush from the void,
The wings angelic and demonic, the sound of the abyss
Dedicated to death. And this is you.

Dia de inverno na Praça do Rei
em Copenhague
(Paul Gustav Fischer: pintor dinamarquês)

Por um momento o inverno invade o espírito

Por um momento o inverno invade o espírito; a neve
Cai para além da luz; o gelo recobre um muro;
O vento se queixa por uma brecha na janela.
Há uma centelha vivaz de geada no peitoril.
Apenas por um momento; também o invadiria a primavera
Cora apenas oxidar a terra, com um par de pássaros;
Ou o inverno com a relva quente; ou o outono, uma folha
amarela.
Eis o inverno lá fora, ei-lo aqui em mim.
Com neve emoldura planetas, aprofunda o gelo na lua
Escurece a escuridão que era já escuridão.
Também tem suas neves o espírito e vias deslizantes.
Paredes com baionetas de gelo, folhas congeladas.
Eis o aposento embainhado em si e ao qual você retorna
Quando o vento sopra desde Arcturus: eis o fogo
Com que se aquecem as mãos, se turvam os olhos;
O piano em que você toca o frígido agudo;
Cinco notas como pingentes fraturados; e então, silêncio.

Toca o despertador, com ele o pulso acerta o passo
A noite e o espírito vão cheios de sons. Eu caminho
Da lareira com seu fogo imaginário
Para a janela com sua vista imaginária.
A escuridão, a neve batendo na janela: silêncio
E o ruído das correntes de um caminhão, as pancadas
De um sino de bronze voltado a Cristo.
E a eclosão de asas angélicas, de asas
Demoníacas do abismo do espírito:
A escuridão plena de veludoso silvar, asas
Inumeráveis como os flocos de neve,
O vazio profundo em turbilhão com asas e o som de asas,
A discriminação do caos, a vitalidade
Da profundeza, a profundeza dedicada à morte.

Aqui estão as rixas do inconseqüente,
A tagarelice do ridículo, as repetições
Do sem sentido. A memória como um malabarista
Atira à luz seus balões coloridos
E os recupera na sombra. Eis o absurdo
Gargalhando como um idiota o quotidiano onívoro
Que terá seu dia. Um punhado de moedas,
Talões, recortes, um lenço enlameado,
Uma carta a responder, o aviso de um telefonema.
Uma pétala num livro de Shakespeare.
O programa de um concerto. O retrato também,
Repousado na toalha e embaixo dele um botão de rosa;
A nota da lavanderia, fósforos, um cinzeiro, os pescadores
De pérolas de Utamaro. O tapete com as migalhas restantes
Da festa de ontem. São o vazio, a noite
E as asas dos anjos que lhes dão voz.

A flor o que é? Não o lamento da cor.
Suspiro da púrpura, sibilos do açafrão,
Nem áureas exalações do sepulcro.
Mas é tudo isto porque você pensa nisto.
Uma emanação de emanações, frágil
Como a luz, fulgor, cintilação,
Criação do brilho e como o brilho, breve.
E que é a geada? Não a centelha da morte.
Lume da asa do tempo, sementes do eterno;
Mas é tudo isto porque você pensa nisto.
E você, por pensar nisto, é ao mesmo tempo
Flor e geada, luminosa sílaba ambígua
Cujo sentido é igualmente sim e não.

Eis o trágico, o espelho deformante
Era que seu gesto aparece grandioso;
De seus olhos magníficos, lágrimas caem;
A fronte é nobre, a boca é a de Deus.
Eis o Deus que procura a própria mãe – o Caos;
A desordem buscando solução, a vida buscando a morte.
A rosa corteja a lança de gelo; esta
Corteja a rosa, também. Eis o silêncio dos silêncios
e sonha ser um som e o som
Que se completará no silêncio e todas
Estas coisas eclodiram do vazio.
As asas de anjos e demônios, o som do abismo
Dedicado à morte. E isto é você.

Referência:

AIKEN, Conrad. Winter for a moment takes the mind / Por um momento o inverno invade o espírito. Tradução de Jorge Wanderley. In: WANDERLEY, Jorge (Seleção, tradução e notas). Antologia da nova poesia norte-americana. Rio de Janeiro, RJ: Civilização Brasileira, 1992. Em inglês: p. 176, 178 e 180; em português: p. 177, 179 e 181.


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