Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

quarta-feira, 19 de setembro de 2018

Torquato Neto - Cogito

Não diria que, por pura atenção aos conceitos da filosofia, aquilo que um ente “é” se assemelha ao modo “como” se apresenta. Mas que o poema do autor piauiense fez-me lembrar da passagem bíblica na qual Deus se define a Moisés com o fastígio de sua autorreferência – “Eu sou o que sou!” –, isso afirmo sem pejo!

A individualidade do poeta acentua-se por meio da anáfora do verso que inicia as quatro estrofes do poema, estrofes essas que buscam definir “como” o autor se retrata: nomeadamente, em arranjos a opor concatenações comuns de palavras, retorcidas para produzir um potente efeito desconcertante, vale dizer, o diferencial que sobeja ao final de sua leitura.

J.A.R. – H.C.

Torquato Neto
(1944-1972)

Cogito

eu sou como eu sou
pronome
pessoal intransferível
do homem que iniciei
na medida do impossível

eu sou como eu sou
agora
sem grandes segredos dantes
sem novos secretos dentes
nesta hora

eu sou como eu sou
presente
desferrolhado indecente
feito um pedaço de mim

eu sou como eu sou
vidente
e vivo tranquilamente
todas as horas do fim.

Falsas Memórias
(José Roosevelt: pintor brasileiro)

Referência:

ARAÚJO NETO, Torquato Pereira de. In: MORRICONI, Ítalo (Org.). Os cem melhores poemas do século. Rio de Janeiro, RJ: Objetiva, 2001. p. 269.

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