Não diria que, por pura atenção aos conceitos da filosofia, aquilo que
um ente “é” se assemelha ao modo “como” se apresenta. Mas que o poema do autor
piauiense fez-me lembrar da passagem bíblica na qual Deus se define a Moisés com
o fastígio de sua autorreferência – “Eu sou o que sou!” –, isso afirmo sem pejo!
A individualidade do poeta acentua-se por meio da anáfora do verso que
inicia as quatro estrofes do poema, estrofes essas que buscam definir “como” o
autor se retrata: nomeadamente, em arranjos a opor concatenações comuns de
palavras, retorcidas para produzir um potente efeito desconcertante, vale
dizer, o diferencial que sobeja ao final de sua leitura.
J.A.R. – H.C.
Torquato Neto
(1944-1972)
Cogito
eu sou como eu sou
pronome
pessoal
intransferível
do homem que iniciei
na medida do
impossível
eu sou como eu sou
agora
sem grandes segredos
dantes
sem novos secretos
dentes
nesta hora
eu sou como eu sou
presente
desferrolhado
indecente
feito um pedaço de
mim
eu sou como eu sou
vidente
e vivo tranquilamente
todas as horas do
fim.
Falsas Memórias
(José Roosevelt:
pintor brasileiro)
Referência:
ARAÚJO NETO, Torquato Pereira de. In:
MORRICONI, Ítalo (Org.). Os cem melhores
poemas do século. Rio de Janeiro, RJ: Objetiva, 2001. p. 269.
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