Há quem sinta muito a ausência de um animal doméstico, quando afeito
demais aos da família, quer em razão de sua fuga para outras plagas, quer
porque morto. No caso do poeta, o gato resolveu dar umas voltas e não mais
retornou a casa, comportamento que, convenhamos, não é muito comum nos felinos,
pois se costuma dizer que são mais ligados à morada do que, propriamente, ao
dono.
É bem de se estranhar: o bichano saiu para a tradicional ronda noturna
e, talvez, tenha sido apanhado por um desses vendedores de cachorro-quente
que fazem ponto nas esquinas da cidade. Se tal foi o caso, a esta hora, já
se terá convertido num... delicioso churrasquinho! Pagou o preço da reclamada liberdade! (rs)
J.A.R. – H.C.
José Santiago Naud
(n. 1930)
A um gato
Por esta porta aberta
partias
para voltar
sempre
silencioso e macio
– às vezes
em tempo de chuva
deixavas sob a janela
a marca das tuas
patas.
Mas te foste
sem regresso
e eu me perco
porque aqui
ou lá aonde foste
tudo se quebra
e não posso te
alcançar.
Agora
dói-me teu último
olhar
sobre o veludo negro
do pelo:
a pupila ainda
cintilou tons de esmeralda
na avessa esperança
de voltar a ver-nos
e até hesitaste antes
de sair
por esta mesma porta
ondulando o rabo na
noite.
Hoje
qualquer outro animal
grita o silêncio da
tua presença
ó rei da casa
longíssimo
– rota coroa da mais
viva ausência.
A casa toda é a tua
enorme falta
e muito embora eu
trate de viajar
teu vazio na estrada
é o mal
dentro do bem.
– Liebeschön
Liebe
Lib
simplesmente
o que restou da
ninhada,
flor de beleza e
saudade.
Havia limos no ar
e saíste contra os
riscos de ser livre,
mais riscos que
liberdade
para ti
mansidão de cordeiro
dócil como burrinho
de presépio
Lib/Amor
partido
na angústia inteira
de todo o meu desconsolo.
Em: “Anatomia Invisível”
Olhos de Cristal
(Lucie Bilodeau:
pintora canadense)
Referência:
NAUD, José Santiago. A um gato. In:
__________. 20 poemas escolhidos e um
falso haikai. Brasília, DF: Thesaurus, 2005. p. 51-52.
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