Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

sexta-feira, 21 de setembro de 2018

Pablo Neruda - O Poeta

O poeta revela-se em suas transfigurações do humano ao telúrico, àquilo que se expressa em conexão com as entranhas da terra, ou melhor, em conjunção com os elementos vegetais e materiais, para alcançar um estado de autoconsciência plena, já agora revelado, em seu refluxo, pela imagem depurada de todas as mazelas humanas.

 

E se o voo de Neruda vai até o aparente limite do desconsolo, não é porque se pretenda um demolidor de esperanças, senão porque, em sua intuição, antevê na decomposição de tudo quanto existe, no desgaste, na ruína, a perda da identidade das coisas – e teme, notoriamente, por suas próprias imperfeições.

 

J.A.R. – H.C.

 

Pablo Neruda

(1904-1973)

 

El Poeta

 

Antes anduve por la vida, en medio

de un amor doloroso: antes retuve

una pequeña página de cuarzo

clavándome los ojos en la vida.

Compré bondad, estuve en el mercado

de la codicia, respiré las aguas

más sordas de la envidia, la inhumana

hostilidad de máscaras y seres.

Viví un mundo de ciénaga marina

en que la flor de pronto, la azucena

me devoraba en su temblor de espuma,

y donde puse el pie resbaló mi alma

hacia las dentaduras del abismo.

Asi nació mi poesia, apenas

rescatada de ortigas, empuñada

sobre la soledad como un castigo,

o apartó en el jardin de la impudicia

su más secreta flor hasta enterrarla.

Aislado así como el agua sombría

que vive en sus profundos corredores,

corrí de mano en mano, al aislamiento

de cada ser, al odio cuotidiano.

Supe que así vivían, escondiendo

la mitad de los seres, como peces

del más extraño mar, y en las fangosas

inmensidades encontré la muerte.

La muerte abriendo puertas y caminos.

La muerte deslizándose en los muros.

 

En: “Canto General” (1950)

 

O Pintor e o Modelo

(Hilário Teixeira Lopes: pintor português)

 

O Poeta

 

Outrora andei pela vida, em meio

a um doloroso amor: outrora retive

uma pequena página de quartzo

fixando os meus olhos na vida.

Comprei bondade, estive no mercado

da cobiça, respirei as águas

mais surdas da inveja, a inumana

hostilidade de máscaras e seres.

Vivi um mundo de pântano marinho

em que de repente a flor, a açucena,

devorava-me em seu tremor de espuma,

e onde pus o pé, a minha alma resvalou

até as dentaduras do abismo.

Assim nasceu minha poesia, mal

resgatada de urtigas, empunhada

sobre a solidão como um castigo,

ou apartada para banir a sua mais secreta

flor no jardim da imodéstia até enterrá-la.

Isolado assim como a água sombria

que vive em seus profundos corredores,

corri de mão em mão, ao isolamento

de cada ser, ao ódio cotidiano.

Soube que assim vivia a esconder-se

a metade dos seres, como peixes

do mais estranho mar, e nas lodosas

imensidades encontrei a morte.

A morte abrindo portas e caminhos.

A morte deslizando nos muros.

 

Em: “Canto Geral” (1950)

 

Referência:

 

NERUDA, Pablo. El poeta. In: __________. Selected poems of Pablo Neruda. A bilingual edition (Spanish x English) edited and translated by Ben Belitt. Introduction by Luis Monguió. New York, NY: Grove Press Inc., First Evergreen Edition 1963 & Tenth Printing 1977. p. 176.

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