Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

domingo, 23 de setembro de 2018

Rilke - Ligamo-nos à flor, ao pâmpano e à fruta

Há muito mais do que se pode contemplar nas diversas linguagens de que o ano se reveste no transcurso do tempo: os fenômenos naturais detêm um profundo discernimento de como a vida se processa. E é essa lógica, a presidir tudo quanto é visível, que o poeta procura desvendar em meio à sua escrita propositadamente enigmática.

A flor, a folhagem da videira e a fruta originam-se em um lugar a que as pessoas não têm acesso, ou melhor, num mundo subterrâneo a que os mortos pertencem. Ora, pois: podemos estar vivenciando uma ilusão de que o reino vegetal seja uma expressão de pura vida, quando, muito supostamente, apenas reflita certo brilho emulado a um mundo que, aos nossos olhos, está exaurido – mas que, bem diversamente, rege-se por fervilhante transformação!

J.A.R. – H.C.

Rainer Maria Rilke
(1875-1926)

I:14 (Die Sonette an Orpheus)

Wir gehen um mit Blume, Weinblatt, Frucht.
Sie sprechen nicht die Sprache nur des Jahres.
Aus Dunkel steigt ein buntes Offenbares
und hat vielleicht den Glanz der Eifersucht

der Toten an sich, die die Erde stärken.
Was wissen wir von ihrem Teil an dem?
Es ist seit lange ihre Art, den Lehm
mit ihrem freien Marke zu durchmärken.

Nun fragt sich nur: tun sie es gern? …
Drängt diese Frucht, ein Werk von schweren Sklaven,
geballt zu uns empor, zu ihren Herrn?

Sind sie die Herrn, die bei den Wurzeln schlafen,
und gönnen uns aus ihren Uberflüssen
dies Zwischending aus stummer Kraft und Küssen?

Sobre a Alma
(David LaChapelle: ilustrador norte-americano)

I:14 (Os Sonetos a Orfeu)

Ligamo-nos à flor, ao pâmpano e à fruta.
Não falam só a fala das quatro estações.
Do escuro surdem vívidas irisações,
onde o brilho da inveja talvez repercuta

dos mortos que refazem a força da terra.
Que sabemos de sua parte em cada messe?
Há muito, livre, o cerne deles transparece
no próprio barro que os despojos lhes encerra.

Fazem-no de bom grado? é o que nos perguntamos.
Esses frutos intensos, trabalho de escravos,
repontam porventura para nós, seus amos?

Ou serão eles os amos, que dormem ignavos
sob as raízes e nos dão, do seu sobejo,
esse dom entre a muda força bruta e o beijo?

Referência:

RILKE, Rainer Maria. Wir gehen um mit blume, weinblatt, frucht / Ligamo-nos à flor, ao pâmpano e à fruta. Tradução de José Paulo Paes. In: __________.  Poemas. Seleção, tradução e introdução de José Paulo Paes. 3. reimpressão. São Paulo, SP: Companhia das Letras, 1993. Em alemão: p. 152; em português: p. 153.

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