Caponi, poeta de
Campinas (SP), logo após as suas traduções de poemas – sobretudo de sonetos –
dos italianos Dante e Petrarca, apõe outros tantos de autoria própria na obra
em referência, designando-os “Poémes de Lui Même” (“Poemas de si mesmo”), um
deles a ilustrar esta postagem, primeiramente no original, em português, e,
depois, em francês, idioma que o poeta adjetiva como “simpático”.
O título do poema,
como se depreenderá, haveria de ser remodelado, para melhor dizer o que nele se
esboça: não é o poema que é errôneo, senão o poeta, uma vez que, segundo suas
próprias palavras, carrega um erro ontológico, um erro pelo simples fato de
existir. A vacuidade se instala em sua alma confusa e pouco importa se o poeta
deseje ou não: a vida sempre se digna em lhe conceder um contínuo e maquinal
perdão!
J.A.R. – H.C.
Sérgio Caponi
(n. 1950)
Poema Errôneo
Trago comigo algum
tipo de erro,
um logro fundamental
que não sei bem qual.
Não um erro qualquer,
como um equívoco
ou um propósito,
Mas um erro de ser,
de existir.
Algo inerente às
criaturas,
consumadas em si,
corrompidas em
materialidade e permanência.
Um erro que se
sobrepõe a todos os outros erros.
Um erro de essência,
Transcendência
insondável de todas as transcendências,
indiferença marginal
de todas as jurisprudências,
indefinido como os
caprichos do destino,
fraudulento como uma
certeza,
fatal como as faces
de um cristal.
Algo, assim, como o
pecado original,
a vagar errático na
borda branca dos códigos,
no obscuro das
consciências,
tal qual um lapso
imperceptível da moralidade,
um conteúdo místico
de todas as reticências.
Na luz difusa
que ilumina minha
alma confusa,
vejo, com clareza, o
oco onde se instala.
Vejo o oco mas não
vejo o que desejo,
nem o que dele se
fala.
Apenas o tempo,
este rústico
elemento,
recobre esta falha
que em minha alma cala
enquanto a vida,
indiferente a
qualquer culpa,
quer eu queira, quer
não,
segue adiante a cada
instante
como um contínuo e
maquinal perdão.
São Jerônimo
(Caravaggio: pintor
italiano)
J’apporte, dans moi,
quelque type d’erreur,
un piège fondamental
que je ne connais pas bien.
Pas une erreur
quelconque comme un équivoque
ou un propos,
Mais une erreur
d’être,
d’exister.
Quelque chose
inhérent aux créatures,
consommées en soi
mêmes,
corrompues en
matérialité et en permanence.
Une erreur qui se
superpose à toutes les autres erreurs.
Une erreur d’essence,
Transcendance
insondable à toutes les transcendances,
indifférence
marginale de toutes les jurisprudences,
indéfinie comme les
caprices du destin,
frauduleuse comme une
certitude,
fatale comme les
faces d’un cristal.
Quelque chose, ainsi,
comme le péche original,
à vaguer erratique
sur le bord blanc des codes,
dans l’obscurité des
consciences,
tel qu’une absence
imperceptible de la moralité,
un contenu mystique
de toutes les réticences.
A la lumière diffuse
qui illumine mon âme
confuse,
je vois, clairement,
le creux dans lequel s’installe.
Je vois le creux mais
je ne vois pas ce que je désire,
ni ce qu’on en parle.
A peine le temps,
cet élément rustique,
remplit ce trou qui
se tait dans mon âme,
tandis que la vie,
indifférente à une
faute quelconque,
que je le veille ou
non,
marche en avant à
chaque instam,
comme un pardon
machinal et permanent.
Referência:
CAPONI, Sérgio. Poema
errôneo / Poème erroné. Tradução ao francês de Sérgio Caponi. In: CAPONI,
Sérgio (Organização e Tradução). Poemas da paixão subjacente: Dante
Alighieri, Francesco Petrarca e Sérgio Caponi. Campinas, SP: Editora Átomo,
2007. Em português: p. 181 e 183; em francês: p. 180 e 182.
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