Depois de escrever tanta coisa a tangenciar a pornografia, Bocage
volta-se à natureza, ela que é o mais nítido dos efeitos do que teria sido criado
pelo artesão divino ou o seu princípio organizador – Deus, em suma –, amparando-se,
a par de seu próprio argumento, na fé e na razão, para encontrar recompensa
entre os bons.
Há certa similaridade no padrão de vida de Bocage e o do poeta brasileiro
Gregório de Matos Guerra – o “Boca do Inferno” –, que depois de tanto “trovejar”
contra as autoridades da época, de também abordar o sexo de um modo
transgressivo, voltou-se ao fim à redenção divina, como o comprovam os títulos
que compendiam a sua obra poética: “Lírica”, “Satírica” e “Religiosa”.
J.A.R. – H.C.
Barbosa du Bocage
(1765-1805)
A existência de Deus,
provada pelas obras da criação
Os milhões de áureos
lustres coruscantes
Que estão da azul
abóbada pendendo:
O Sol, e a que
ilumina o trono horrendo
Dessa, que amima os
ávidos amantes:
As vastíssimas ondas
arrogantes,
Serras de espuma
contra os céus erguendo,
A leda fonte humilde
o chão lambendo,
Lourejando as searas
flutuantes:
O vil mosquito, a
provida formiga,
A rama chocalheira, o
tronco mudo,
Tudo que há Deus a
confessar me obriga:
E para crer num
braço, autor de tudo,
Que recompensa os
bons, que os maus castiga,
Não só da fé, mas da
razão me ajudo.
Jardim de Rosas
(Collin Bogle:
artista norte-americano)
Referência:
BOCAGE, Manuel Maria Barbosa du. A
existência de Deus, provada pelas obras da criação. In: __________. Poemas. Seleção e organização de José
Lino Grünewald. 2. impressão. Rio de Janeiro, RJ: Nova Fronteira, 1987. p. 82.
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