O cineasta e poeta italiano revela o medo de ser abandonado pelo público leitor, que o rotulou de não ter mais nada a dizer depois de “Le ceneri di Gramsci” (“As Cinzas de Gramsci”), obra poética de 1957, uma vez que a década já terminara e não haveria mais procura por poesia.
Mas o compromisso com a dura realidade do cotidiano é um norte que reverbera em sua obra, polêmica e ressonante, não permitindo que a imagem pública do autor seja olvidada, tampouco distorcida, ainda que tenha pagado um elevado preço pela imersão no espaço da civilização moderna, capaz de metamorfosear numa criatura repugnante – um verme, na metáfora do poeta – mesmo aquele que foi concebido para jornadas ideais.
J.A.R. – H.C.
Pier Paolo Pasolini
(1922-1975)
La mancanza di
richiesta di poesia
Come uno schiavo malato, o una bestia,
vagavo per un mondo che mi era assegnato in sorte,
con la lentezza che hanno i mostri
del fango – o della polvere – o della selva –
strisciando sulla pancia – o su pinne
vane per la terraferma – o ali fatte di membrane…
C’erano intorno argini, o massicciate,
o forse stazioni abbandonate in fondo a città
di morti – con le strade e i sottopassaggi
della notte alta, quando si sentono soltanto
treni spaventosamente lontani,
e sciacquii di scoli, nel gelo definitivo,
nell’ombra che non ha domani.
Così, mentre mi erigevo come un verme
molle, ripugnante nella sua ingenuità,
qualcosa passò nella mia anima – come
se in un giorno sereno si rabbuiasse il sole;
sopra il dolore della bestia affannata,
si collocò un altro dolore, più meschino e buio,
e il mondo dei sogni si incrinò.
“Nessuno ti richiede più poesia!”
E “È passato il tuo tempo di poeta…”.
“Gli anni cinquanta sono finiti nel mondo!”
“Tu con le Ceneri di Gramsci ingiallisci,
e tuto ciò che fu vita ti duole
come una ferita che si riapre e dà la morte!”
In: “Poesia in forma
di rosa” (1964)
Igrejas de Roma
(Roberto Gagliardi: pintor italiano)
A falta de procura
por poesia
Como um escravo doente, ou um bicho,
vagava por um mundo que me coubera em sorte,
com a lentidão própria dos monstros
da lama – ou da poeira – ou da selva –
arrastando o peito – ou as vãs barbatanas
na terra firme – ou asas feitas de membranas…
Em torno havia taludes, ou calçadas,
ou talvez estações abandonadas ao fundo
de necrópoles – com estradas e passagens
subterrâneas
na noite alta, quando somente se ouvem
os trens assombrosamente distantes,
e marulhos de escolhos, no gelo definitivo,
na sombra que não tem futuro.
Assim, enquanto me erigia como um verme
mole, repugnante em sua ingenuidade,
algo se passou em minha alma – como
se num dia sereno o sol escurecesse;
sobre a dor do bicho atormentado
se sobrepôs outra dor, mais negra e mesquinha,
e o mundo dos sonhos se rompeu.
“Ninguém mais o procura por poesia!”
E: “Já passou seu tempo de poeta…”.
“Os anos cinquenta terminaram no mundo!”
“Está ficando velho com suas Cinzas de Gramsci,
e tudo o que foi vida lhe faz mal
como uma ferida que reabre e traz a morte!”
Em: “Poesia em forma
de rosa” (1964)
Referência:
PASOLINI, Pier Paolo. La mancanza di
richiesta di poesia / A falta de procura por poesia. Tradução de Maurício
Santana Dias. In: __________. Poemas.
Organização e introdução de Alfonso Berardinelli e Maurício Santana Dias.
Posfácio de Maria Betânia Amoroso. Edição bilíngue. São Paulo, SP: Cosac Naify,
2015. Em italiano: p. 168; em português: p. 169.
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