Alpes Literários

Alpes Literários

Subtítulo

UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

quinta-feira, 20 de setembro de 2018

Pier Paolo Pasolini - A falta de procura por poesia

O cineasta e poeta italiano revela o medo de ser abandonado pelo público leitor, que o rotulou de não ter mais nada a dizer depois de “Le ceneri di Gramsci” (“As Cinzas de Gramsci”), obra poética de 1957, uma vez que a década já terminara e não haveria mais procura por poesia.

Mas o compromisso com a dura realidade do cotidiano é um norte que reverbera em sua obra, polêmica e ressonante, não permitindo que a imagem pública do autor seja olvidada, tampouco distorcida, ainda que tenha pagado um elevado preço pela imersão no espaço da civilização moderna, capaz de metamorfosear numa criatura repugnante – um verme, na metáfora do poeta – mesmo aquele que foi concebido para jornadas ideais.

J.A.R. – H.C.

 

Pier Paolo Pasolini

(1922-1975)

 

La mancanza di richiesta di poesia

 

Come uno schiavo malato, o una bestia,

vagavo per un mondo che mi era assegnato in sorte,

con la lentezza che hanno i mostri

del fango – o della polvere – o della selva –

strisciando sulla pancia – o su pinne

vane per la terraferma – o ali fatte di membrane…

C’erano intorno argini, o massicciate,

o forse stazioni abbandonate in fondo a città

di morti – con le strade e i sottopassaggi

della notte alta, quando si sentono soltanto

treni spaventosamente lontani,

e sciacquii di scoli, nel gelo definitivo,

nell’ombra che non ha domani.

Così, mentre mi erigevo come un verme

molle, ripugnante nella sua ingenuità,

qualcosa passò nella mia anima – come

se in un giorno sereno si rabbuiasse il sole;

sopra il dolore della bestia affannata,

si collocò un altro dolore, più meschino e buio,

e il mondo dei sogni si incrinò.

“Nessuno ti richiede più poesia!”

E “È passato il tuo tempo di poeta…”.

“Gli anni cinquanta sono finiti nel mondo!”

“Tu con le Ceneri di Gramsci ingiallisci,

e tuto ciò che fu vita ti duole

come una ferita che si riapre e dà la morte!”

 

In: “Poesia in forma di rosa” (1964)

 

Igrejas de Roma

(Roberto Gagliardi: pintor italiano)

 

A falta de procura por poesia

 

Como um escravo doente, ou um bicho,

vagava por um mundo que me coubera em sorte,

com a lentidão própria dos monstros

da lama – ou da poeira – ou da selva –

arrastando o peito – ou as vãs barbatanas

na terra firme – ou asas feitas de membranas…

Em torno havia taludes, ou calçadas,

ou talvez estações abandonadas ao fundo

de necrópoles – com estradas e passagens subterrâneas

na noite alta, quando somente se ouvem

os trens assombrosamente distantes,

e marulhos de escolhos, no gelo definitivo,

na sombra que não tem futuro.

Assim, enquanto me erigia como um verme

mole, repugnante em sua ingenuidade,

algo se passou em minha alma – como

se num dia sereno o sol escurecesse;

sobre a dor do bicho atormentado

se sobrepôs outra dor, mais negra e mesquinha,

e o mundo dos sonhos se rompeu.

“Ninguém mais o procura por poesia!”

E: “Já passou seu tempo de poeta…”.

“Os anos cinquenta terminaram no mundo!”

“Está ficando velho com suas Cinzas de Gramsci,

e tudo o que foi vida lhe faz mal

como uma ferida que reabre e traz a morte!”

 

Em: “Poesia em forma de rosa” (1964)


Referência:

PASOLINI, Pier Paolo. La mancanza di richiesta di poesia / A falta de procura por poesia. Tradução de Maurício Santana Dias. In: __________. Poemas. Organização e introdução de Alfonso Berardinelli e Maurício Santana Dias. Posfácio de Maria Betânia Amoroso. Edição bilíngue. São Paulo, SP: Cosac Naify, 2015. Em italiano: p. 168; em português: p. 169.

Nenhum comentário:

Postar um comentário