Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

sábado, 22 de setembro de 2018

Álvaro Pacheco - Inventamos as coisas para fazer

Os afazeres seriam criações sem sentido, forjadas pelo homem para preencher o tempo vago. Pelo que aduz o poeta, a própria poesia poderia ser um trabalho adaptável a tal silogismo, dada a sua explícita função não utilitária, não conversível, por conseguinte, à serventia de maior relevo nas sociedades capitalistas.

 

Se for viável um aparte, poderia mencionar os termos de uma tirinha com o personagem Chico Bento, criação do Maurício de Sousa: em certa manhã, ainda não totalmente às claras, Chico informa aos amigos da turma que teria acordado mais cedo, para ter mais tempo de não fazer nada!

 

Chico Bento poderia assim, ele mesmo, tornar-se o espantalho a afugentar os pássaros que se aproximam para devorar-lhe as plantações, em plena madrugada. É assim que o poeta vislumbra o ser humano, caso não se dedique a um “invento” para preencher-lhe o tempo, embora com uma diferença: no campo, não há plantações a escudar, senão um pastio abandonado.

 

J.A.R. – H.C.

 

Álvaro Pacheco

(n. 1933)

 

Inventamos as coisas para fazer

 

Inventamos as coisas para fazer

porque na verdade

nada temos para fazer além das ficções

e das necessidades que inventamos:

a mulher do bar está esperando por mim

pensando em outra pessoa e na vitrine

 

da casa de modas – o homem da galeria

cria suas antiguidades, a parede branca

está pedindo cores e não há suficientes

objetos em tua vida. Precisamos inventar

as coisas desnecessárias para fazer

– e os nossos mínimos enganos cotidianos.

 

Inventamos a distância que colocamos

como um voo de astronave entre nosso amor

e inventamos não fazer para passar o tempo

como se o tempo precisasse de passar:

todas essas coisas inventamos

para não ficar no caminho da morte

 

com os braços caídos e as mãos vazias

como espectros ou espantalhos

vigiando atentos um campo abandonado.

 

Casal de camponeses indo

para o trabalho pela manhã

(Vincent van Gogh: pinto holandês)

 

Referência:

 

PACHECO, Álvaro. Inventamos as coisas para fazer. In: __________. 50 poemas escolhidos pelo autor. Rio de Janeiro, RJ: Edições Galo Branco, 2006. p. 19. (Coleção “50 poemas escolhidos pelo autor”; v. 17)

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