Os afazeres seriam criações sem sentido,
forjadas pelo homem para preencher o tempo vago. Pelo que aduz o poeta, a
própria poesia poderia ser um trabalho adaptável a tal silogismo, dada a sua
explícita função não utilitária, não conversível, por conseguinte, à serventia
de maior relevo nas sociedades capitalistas.
Se for viável um aparte, poderia mencionar os
termos de uma tirinha com o personagem Chico Bento, criação do Maurício de
Sousa: em certa manhã, ainda não totalmente às claras, Chico informa aos amigos
da turma que teria acordado mais cedo, para ter mais tempo de não fazer nada!
Chico Bento poderia assim, ele mesmo, tornar-se
o espantalho a afugentar os pássaros que se aproximam para devorar-lhe as
plantações, em plena madrugada. É assim que o poeta vislumbra o ser humano,
caso não se dedique a um “invento” para preencher-lhe o tempo, embora com uma
diferença: no campo, não há plantações a escudar, senão um pastio abandonado.
J.A.R. – H.C.
Álvaro Pacheco
(n. 1933)
Inventamos as coisas
para fazer
Inventamos as coisas
para fazer
porque na verdade
nada temos para fazer
além das ficções
e das necessidades que
inventamos:
a mulher do bar está
esperando por mim
pensando em outra pessoa
e na vitrine
da casa de modas – o
homem da galeria
cria suas antiguidades,
a parede branca
está pedindo cores e não
há suficientes
objetos em tua vida.
Precisamos inventar
as coisas desnecessárias
para fazer
– e os nossos mínimos
enganos cotidianos.
Inventamos a distância
que colocamos
como um voo de astronave
entre nosso amor
e inventamos não fazer
para passar o tempo
como se o tempo
precisasse de passar:
todas essas coisas
inventamos
para não ficar no
caminho da morte
com os braços caídos e
as mãos vazias
como espectros ou
espantalhos
vigiando atentos um
campo abandonado.
Casal de camponeses indo
para o trabalho pela
manhã
(Vincent van Gogh: pinto
holandês)
Referência:
PACHECO, Álvaro. Inventamos as coisas para
fazer. In: __________. 50 poemas escolhidos pelo autor. Rio de
Janeiro, RJ: Edições Galo Branco, 2006. p. 19. (Coleção “50 poemas escolhidos
pelo autor”; v. 17)
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