Alpes Literários
Subtítulo
domingo, 30 de setembro de 2018
Carl Sandburg - Nossos Infernos
sábado, 29 de setembro de 2018
Sérgio Caponi - Poema Errôneo
Caponi, poeta de
Campinas (SP), logo após as suas traduções de poemas – sobretudo de sonetos –
dos italianos Dante e Petrarca, apõe outros tantos de autoria própria na obra
em referência, designando-os “Poémes de Lui Même” (“Poemas de si mesmo”), um
deles a ilustrar esta postagem, primeiramente no original, em português, e,
depois, em francês, idioma que o poeta adjetiva como “simpático”.
O título do poema,
como se depreenderá, haveria de ser remodelado, para melhor dizer o que nele se
esboça: não é o poema que é errôneo, senão o poeta, uma vez que, segundo suas
próprias palavras, carrega um erro ontológico, um erro pelo simples fato de
existir. A vacuidade se instala em sua alma confusa e pouco importa se o poeta
deseje ou não: a vida sempre se digna em lhe conceder um contínuo e maquinal
perdão!
J.A.R. – H.C.
Sérgio Caponi
(n. 1950)
Poema Errôneo
Trago comigo algum
tipo de erro,
um logro fundamental
que não sei bem qual.
Não um erro qualquer,
como um equívoco
ou um propósito,
Mas um erro de ser,
de existir.
Algo inerente às
criaturas,
consumadas em si,
corrompidas em
materialidade e permanência.
Um erro que se
sobrepõe a todos os outros erros.
Um erro de essência,
Transcendência
insondável de todas as transcendências,
indiferença marginal
de todas as jurisprudências,
indefinido como os
caprichos do destino,
fraudulento como uma
certeza,
fatal como as faces
de um cristal.
Algo, assim, como o
pecado original,
a vagar errático na
borda branca dos códigos,
no obscuro das
consciências,
tal qual um lapso
imperceptível da moralidade,
um conteúdo místico
de todas as reticências.
Na luz difusa
que ilumina minha
alma confusa,
vejo, com clareza, o
oco onde se instala.
Vejo o oco mas não
vejo o que desejo,
nem o que dele se
fala.
Apenas o tempo,
este rústico
elemento,
recobre esta falha
que em minha alma cala
enquanto a vida,
indiferente a
qualquer culpa,
quer eu queira, quer
não,
segue adiante a cada
instante
como um contínuo e
maquinal perdão.
São Jerônimo
(Caravaggio: pintor
italiano)
J’apporte, dans moi,
quelque type d’erreur,
un piège fondamental
que je ne connais pas bien.
Pas une erreur
quelconque comme un équivoque
ou un propos,
Mais une erreur
d’être,
d’exister.
Quelque chose
inhérent aux créatures,
consommées en soi
mêmes,
corrompues en
matérialité et en permanence.
Une erreur qui se
superpose à toutes les autres erreurs.
Une erreur d’essence,
Transcendance
insondable à toutes les transcendances,
indifférence
marginale de toutes les jurisprudences,
indéfinie comme les
caprices du destin,
frauduleuse comme une
certitude,
fatale comme les
faces d’un cristal.
Quelque chose, ainsi,
comme le péche original,
à vaguer erratique
sur le bord blanc des codes,
dans l’obscurité des
consciences,
tel qu’une absence
imperceptible de la moralité,
un contenu mystique
de toutes les réticences.
A la lumière diffuse
qui illumine mon âme
confuse,
je vois, clairement,
le creux dans lequel s’installe.
Je vois le creux mais
je ne vois pas ce que je désire,
ni ce qu’on en parle.
A peine le temps,
cet élément rustique,
remplit ce trou qui
se tait dans mon âme,
tandis que la vie,
indifférente à une
faute quelconque,
que je le veille ou
non,
marche en avant à
chaque instam,
comme un pardon
machinal et permanent.
Referência:
CAPONI, Sérgio. Poema
errôneo / Poème erroné. Tradução ao francês de Sérgio Caponi. In: CAPONI,
Sérgio (Organização e Tradução). Poemas da paixão subjacente: Dante
Alighieri, Francesco Petrarca e Sérgio Caponi. Campinas, SP: Editora Átomo,
2007. Em português: p. 181 e 183; em francês: p. 180 e 182.
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sexta-feira, 28 de setembro de 2018
Múcio Teixeira - O Poeta e a Glória
quinta-feira, 27 de setembro de 2018
Karl Shapiro - A poesia de ideias
Aparentemente, Shapiro opõe-se ao tipo de poesia difundido por Eliot, Auden, Pound, entre outros – a veicular ideias, muito mais que sentimentos –, fazendo coro, desse modo, àqueles autores capazes de entornar em seus versos o mais puro espasmo da emoção, como Blake e Whitman, por exemplo.
Postula, então, uma poesia não permeada pela racionalidade, decerto aberta aos mistérios da mente humana, alheia à crítica, natural e espontânea como a própria expressão da vida, deixando àqueles que dela usufruem a tarefa de contemplar a beleza mesmo daquilo que remanesce no poema sem a intenção do poeta, porque, s.m.j., a criação poética também tem os seus enigmas e mistérios, capazes de fazê-la resistir a todo esclarecimento.
J.A.R. – H.C.
One need but ask Where is the
literature
Of nature, where the love poem and the
plain
Statement of feeling? How and when and
why
Did we conceive our horror for emotion,
Our fear of beauty? Whence the
isolation
And proud withdrawal of the
intellectual
Into the cool control-room of the
brain?
At what point in the history of art
Has such a cleavage between audience
And poet existed? When before has rime
Relied so heavily on the interpreter,
The analyst and the critic? Finally how
Has poetry as the vision of the soul
Descended to the poetry of sensation,
And that translated to the perceptive
kind,
Evolved
into the poetry of ideas?
Cumpre perguntar onde está a literatura
Da natureza, o poema de amor e a
simples
Revelação de sentimentos? Como, onde e
por que
Engendramos o nosso horror pela emoção,
Nosso receio pela beleza? De onde vem a
reclusão
E a orgulhosa retirada do intelectual
até a fria sala de controle do cérebro?
Em que ponto da história da arte
Existiu a excisão entre a audiência
E o poeta? Quando, antes, a rima
Dependeu tanto do intérprete,
Do analista e do crítico? Por fim, como
A poesia, enquanto visão da alma,
Declinou à poesia da sensação,
Que uma vez vertida ao tipo perceptivo,
Evoluiu
à poesia de ideias?
quarta-feira, 26 de setembro de 2018
Goethe - O escavador de tesouros
terça-feira, 25 de setembro de 2018
Antonio Olinto - Antígona
Já há, aqui
no bloguinho, uma tradução que fiz ao poema de Gabriela Mistral, sobre o enredo
de “Antígona”, uma das peças da trilogia tebana, de autoria do dramaturgo grego
Sófocles. Eis aqui outra, do mineiro Antonio Olinto, mais centrada na própria
figura de Antígona, que descumpre o édito de Creonte, para que não se
enterrasse Polinice, seu irmão.
É que Etéocles – também irmão de
Antígona – e Polinice foram às vias de fato, numa guerra civil, e ambos
morreram. Como estava no lado “errado”, aos olhos de Creonte, este negou ao
próprio sobrinho o direito de sepultamento, retirando-lhe a perspectiva de vida
após a morte. Antígona desafia Creonte e enterra Polinice. Tragicamente, ela é
pega e levada a morrer numa caverna, onde dá fim à vida antes que Hémon, seu
noivo e filho de Creonte, a encontre. Ao fim, Hémon também comete suicídio.
Consigne-se que a figura de Antígona é
tão onipresente entre os que levam à frente as artes cênicas, que
representações da peça sempre marcaram a história do teatro: a obra
“Antígonas”, de George Steiner, publicada em 1984, compendia todo o lastro
gerado na cultura ocidental por esse mito grego.
Antígona
Enterra teu irmão
Em terra funda ou à flor do chão
Em pedra, areia ou carvão
Haja ou não haja caixão
Enterra teu irmão.
Em rocha bruta ou num desvão
Qualquer seja a oposição
Terremoto, incêndio, vulcão
Tempestade, enchente, furacão
Enterra teu irmão.
Com xingamento ou louvação
Com boi, cavalo ou dragão
Enterra teu irmão.
Lanha, fere, usa um facão
Faze tua amputação
Corta de vez tua mão
Para enterrar teu irmão.
Com fogo, lâmpada ou lampião
ou na maior escuridão
Enterra teu irmão.
Abandona a compaixão
Mulher, tua solidão
Tem a veemência do pão
Arranca teu coração
Ergue tua maldição
Tece tua rebelião
Grita o grito da paixão
Cumpre tua missão
Referência:
OLINTO, Antonio. Antígona. In: __________. 50 poemas escolhidos pelo autor. Rio de Janeiro, RJ: Edições Galo Branco, 2004. p. 35. (Coleção “50 poemas escolhidos pelo autor”; v. 12)