Em vez dos frutos, sob a ótica do poeta, as árvores dão, de fato,
pássaros, que brotam da ponta de seus ramos, enquanto rebentos vivos – distintamente de pomos inertes. E se os pássaros pertencem e se originam das
árvores, são estas capazes de cantar, movimentar-se, desvencilhando-se do reino
vegetal para aportar na colônia animal.
Tudo são especulações poéticas, pois. Só não sabemos os motivos pelos
quais o autor lusitano reluta em pronunciar a proposição “os pássaros emanam
das árvores”, deixando-a ao romancista, a pretexto de que é “complicada” e
“ainda não foi isolada da filosofia”. Ora ora: Plotino – como tudo o mais que
exista ou se conceba mentalmente – também pode ser arrastado ao cadinho da
poesia!
J.A.R. – H.C.
(1933-1978)
Algumas proposições com pássaros e árvores que
o poeta remata com uma referência ao coração
Os pássaros nascem na
ponta das árvores
As árvores que eu
vejo em vez de fruto dão pássaros
Os pássaros são o
fruto mais vivo das árvores
Os pássaros começam
onde as árvores acabam
Os pássaros fazem
cantar as árvores
Ao chegar aos
pássaros as árvores engrossam movimentam-se
deixam o reino
vegetal para passar a pertencer ao reino animal
Como pássaros poisam
as folhas na terra
quando o outono desce
veladamente sobre os campos
Gostaria de dizer que
os pássaros emanam das árvores
mas deixo essa forma
de dizer ao romancista
é complicada e não se
dá bem na poesia
não foi ainda isolada
da filosofia
Eu amo as árvores
principalmente as que dão pássaros
Quem é que lá os
pendura nos ramos?
De quem é a mão a
inúmera mão?
Eu passo e muda-se-me
o coração
Em: “Homem de palavra(s)” (1969)
Referência:
BELO, Ruy. Algumas proposições com
pássaros e árvores que o poeta remata com uma referência ao coração. In: COSTA
E SILVA, Alberto da; BUENO, Alexei (Organização e Introdução). Antologia da poesia portuguesa
contemporânea: um panorama. Rio de Janeiro, RJ: Lacerda Editores, 1999. p.
268.
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