Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

terça-feira, 5 de junho de 2018

John Ashbery - Músicos de Rua

Vemos aqui o tema do poema migrar do assunto que lhe dá título a outro mais próximo aos enunciados mandamentais dos ecologistas. Com efeito, a princípio, o poeta se vê como um músico que perdeu um amigo, mas que continua a fazer arte recorrendo à “mediania” de seu violino, de sorte a produzir poemas que mais se parecem a canções tocadas em antigos espetáculos.

Ao fim, pondera sobre a forma como ele e o falecido amigo andaram a degradar o estado imaculado da natureza, tudo para exteriorizar as suas capacidades, sem atentar, todavia, para o fato de que esse mesmo espaço é o que será legado às gerações futuras, merecendo de cada um de nós, por conseguinte, os necessários cuidados de preservação enquanto aqui estivermos.

J.A.R. – H.C.

John Ashbery
(1927-2017)

Street Musicians

One died, and the soul was wrenched out
Of the other in life, who, walking the streets
Wrapped in an identity like a coat, sees on and on
The same corners, volumetrics, shadows
Under trees. Farther than anyone was ever
Called, through increasingly suburban airs
And ways, with autumn falling over everything:
The plush leaves the chattels in barrels
Of an obscure family being evicted
Into the way it was, and is. The other beached
Glimpses of what the other was up to:
Revelations at last. So they grew to hate and forget each other.

So I cradle this average violin that knows
Only forgotten showtunes, but argues
The possibility of free declamation anchored
To a dull refrain, the year turning over on itself
In November, with the spaces among the days
More literal, the meat more visible on the bone.
Our question of a place of origin hangs
Like smoke: how we picnicked in pine forests,
In coves with the water always seeping up, and left
Our trash, sperm and excrement everywhere, smeared
On the landscape, to make of us what we could.

Músicos de Rua I: em Praga
(Miki de Goodaboom: pintora francesa)

Músicos de Rua

Morreu um deles, e a alma foi arrancada ao outro
Em vida, o qual, caminhando pelas ruas
Envolto em uma identidade como um casaco, vê incessantemente
As mesmas esquinas, volumetrias, sombras
Sob as árvores. Mais distante do que jamais alguém
Fora chamado, através de ares e rotas cada vez mais
Suburbanas, com o outono caindo sobre tudo:
O peluche desfaz-se dos móveis nas barricas
De uma obscura família sendo desalojada,
Assim como estava e ainda está. Um captou
De relance o que o outro estava fazendo:
Revelações enfim. Passaram então ao ódio e desdém mútuos.

Então faço percutir este violino ordinário que só conhece
Esquecidas canções de musicais, embora advogue
Ser possível a livre declamação ancorada
A um refrão fastidioso, o ano a revirar-se sobre si mesmo
Em novembro, com os espaços entre os dias repetindo-se
Com exatidão, a carne já mais visível sobre o osso.
Nosso dilema principiológico flutua feito fumaça:
Como pudemos nos repastar em bosques de pinheiros,
Com água sempre vertendo nas enseadas, de forma a deixar
Nosso lixo, esperma e excremento por toda parte, maculando
A paisagem, tudo para nos certificar do que éramos capazes.

Referência:

ASHBERY, John. Street musicians. In: POULIN JR., A. (Ed.). Contemporary american poetry. 6th. Ed. Boston, MA: Houghton Mifflin Company, 1996. p. 18.

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