O poeta dirige-se ao
próprio poema, para fazê-lo ir ao encontro dos pretensos destinatários do outro
lado da fronteira – os poetas sociais e aqueles que têm a si próprios como
tema, todos à busca de originalidade –, com o objetivo de lhes contar sobre os
contratempos da geração que, deste lado, faz correr a pena em versos sem
originalidade, num quotidiano desafortunado.
Contudo, posso crer
que, em tais casos, o ato de escrever poemas é, mormente, um compromisso de
resistência: o poeta desapega-se – e, com ele, também o leitor –, da
passividade intolerável rumo à atividade criadora, empenhando-se na
continuidade dessa linguagem capaz de converter o idílio na mais palpável
realidade, tudo por amor à literatura!
J.A.R. – H.C.
Arménio Vieira e Silva
(n. 1941)
Tu Poema
vazio
inerte ...
segue um qualquer
caminho
e conta aos outros
(do outro lado da
fronteira)
a Esfinge-muralha
tapando as portas das
casas
e o resto das coisas
que em silêncio
padecemos.
Vai e diz-lhes
que a Vida
não é eventualmente
estar-mordendo
esta manga-podre
(casualmente
vindo ter à minha
boca).
Vai e fala
à “Juventude inquieta
corajosamente
procurando um caminho
intensamente vivendo
os problemas do seu tempo”
e diz-lhes
como é a nossa
juventude
diz-lhes como tu és
como eu sou
como nós somos...
Vai e fala aos poetas
(do outro lado do
mundo)
aos poetas sociais
e aos poetas que
falam de si
– todos buscando a
originalidade para os seus poemas –
Vai e diz-lhes
como tu és nu e sem
ti e sem ninguém
como eu sou inerte
e reduzido à miséria
das minhas
vinte-e-quatro-horas
como nós somos
sem originalidade...
(tu o sabes)
Vai e diz!
(Praia - Cabo Verde)
Perigo: construção à frente
(Katherine Linn Sage: pintora norte-americana)
Referência:
VIEIRA E SILVA,
Arménio. Tu poema. In: ANDRADE, Garibaldino de; COSME, Leonel (Dir.). Mákua
1: antologia poética. Sá da Bandeira, AO: Publicações Imbondeiro;
Gráfica da Huila Ltda., 1962. p. 24-25.
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