Há quem veja nas
experiências do mundo somente drama ou tragédia. Contudo, o poeta português a
tudo contempla como se fosse comédia, em cujo contexto os personagens se
equipam com máscaras ou, mais amplamente, com vestuário a que se atribui algum
sentido, objetivando projetar relevância e distinção, ou de outra forma, status
social.
Todavia Melo não se
deixa enganar: vê por baixo dessas maquinações somente imposturas – e o ar
eventualmente sisudo nada diz do que está por trás dessas figuras. Tramoias e
tramoias dos que ficam a tanto discursar e a fazer com que tudo se disponha
erradamente – a exemplo daqueles que, não muito longe daqui, tomam parte no
parlamento deste Pindorama!
J.A.R. – H.C.
D. Francisco Manuel de Melo
(1608-1666)
Mundo é comédia
Dez figas para vós,
pois com furtado
Consular nome vos
chamais Prudência,
Se, fazendo co’o
Mundo conferência,
Discursais,
revolveis, e eis tudo errado!
Quem vos vir, Apetite
disfarçado,
Digno vos julgará de
reverência,
E a vós, Ódio, por
homem de consciência,
Vendo-vos tão sesudo
e tão pesado.
Dois a dois, três a
três, e quatro a quatro,
Entram, de flamas
tácitas ardendo,
Astutos Paladiões em
simples Troias.
Quem enganas, ó
Mundo, em teu teatro?
A mim não pelo menos,
que estou vendo
Dentro do vestuário
estas tramoias.
Comediantes Italianos
(Antoine Watteau: pintor francês)
Referência:
MELO, D. Francisco
Manuel de. Mundo é comédia. In: TORRES, Alexandre Pinheiro (Introdução,
selecção e notas). Antologia da poesia portuguesa (séc. XII – séc. XX).
v. 2: sécs. XVII-XX. Porto: Lello & Irmão, 1977. p. 175.
❁
Nenhum comentário:
Postar um comentário