Os versos iniciais
desta “reflexão” muito se parecem com linhas preambulares de alguns poemas de
Goethe e Hölderlin: há neles certo humanismo inspirado por preceitos
religiosos, ou melhor, por máximas da sabedoria dos cristãos paulinos, e –
muito especulativamente de minha parte – da doutrina mística e filosófica do
taoísmo.
É o sagrado que
perpassa as ideias e sugestões de Hesse, para quem a natureza parece-se a uma
manifestação concreta de Deus, sua alma, o eterno que acolhe a história inteira
da humanidade. E não só o lado mais luminoso de suas conquistas, senão também
as vulnerabilidades, logros, indignidades – os “pecados”, como se costuma
invocar.
J.A.R. – H.C.
Hermann Hesse
(1877-1962)
Besinnung
Göttlich ist und ewig
der Geist.
Ihm entgegen, dessen
wir Bild und Werkzeug sind,
Führt unser Weg;
unsre innerste Sehnsucht ist:
Werden wie er,
leuchten in seinem Licht!
Aber irden und
sterblich sind wir geschaffen,
Träge lastet auf uns
Kreaturen die Schwere.
Hold zwar und
mütterlich warm umhegt uns Natur,
Säugt uns Erde,
bettet uns Wiege und Grab;
Doch befriedet Natur
uns nicht,
Ihren Mutterzauber
durchstößt
Des unsterblichen
Geistes Funke
Väterlich, macht zum
Manne das Kind.
Löscht die Unschuld
und wendet uns zu Kampf
und Gewissen.
So zwischen Mutter
und Vater,
So zwischen Leib und
Geist
Zögert der Schöpfung
gebrechlichstes Kind.
Zitternde Seele
Mensch, des Leidens fähig
Wie kein anderes
Wesen, und fähig des Höchsten:
Gläubiger, hoffender
Liebe.
Schwer ist sein Weg,
Sünde und Tod seine Speise,
Oft verirrt er ins
Finstre, oft wär ihm
Besser, niemals
erschaffen zu sein.
Ewig aber strahlt
über ihm seine Sehnsucht,
Seine Bestimmung: das
Licht, der Geist.
Und wir fühlen: ihn,
den Gefährdeten,
Liebt der Ewige mit
besonderer Liebe.
Darum ist uns
irrenden Brüdern
Liebe möglich noch in
der Entzweiung,
Und nicht Richten und
Haß,
Sondern geduldige
Liebe,
Liebendes Dulden
führt
Uns dem heiligen
Ziele näher.
(1933)
Canção do Paraíso
(Graham Hancock: pintor inglês)
Reflexão
Divino e eterno é o
Espírito.
A ele, de que somos
imagem e instrumento,
leva o Caminho: nosso
mais profundo anelo
é tornarmo-nos ele,
em sua luz brilharmos.
Porém, terrestres e
mortais que somos,
sobre nós – as
criaturas – inerte cai o peso.
Em verdade propícia e
maternal a Natureza cálida
cuida de nós,
aleita-nos a terra, prepara-nos o berço
e a sepultura...
mas não nos apazigua
– paternalmente
vara-lhe o materno encanto
a imorredoura
centelha do Espírito:
paternalmente faz do
filho um homem,
apaga a inocência e
nos acorda para a luta e a consciência.
Assim entre mãe e
pai,
assim entre corpo e
Espírito,
vacila o filho mais
frágil da Criação
– homem de alma
tremente, afeito ao sofrimento
qual nenhum outro
ser, e afeito ao mais sublime:
o mais crédulo e
esperançoso amor.
Dureza é seu caminho,
pecado e morte o seu alimento;
muitas vezes vagueia
pela treva, muitas vezes seria para ele
melhor não ter sido
criado nunca.
Mas eterno sobre ele
fulgura o seu anelo,
seu propósito: a luz,
o Espírito.
E sentimos que a ele,
ao desgraçado,
ama o Eterno com
especial amor.
Por isso, a nós,
erradios irmãos,
cabe, talvez mesmo na
desavença, o amor;
não julgamento e
ódio,
mas paciente amor.
A aceitação amorosa
nos leva
mais perto do sagrado
objetivo.
(1933)
Referências:
Em Alemão
HESSE, Herman.
Besinnung. In: __________. Die gedichte. 2. Auflage. Zürich, CH:
Fretz & Wasmuth Verlag Ag. Zürich, 1942. s. 376-377.
Em Português
HESSE, Hermann.
Reflexão. Tradução de Geir Campos. In: __________. Andares: antologia
poética. Tradução e prólogo de Geir Campos. Rio de Janeiro, RJ: Nova Fronteira,
jan. 1976. p. 175-176.
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