Se o título muito contém da mensagem que o poema
espera denotar, neste caso concreto, estaremos no limite da existência humana,
frente a frente com a morte, já moribundos e à espera da extrema unção, esse
sagra viático ao qual se atribui poderes para se empreender em estado de graça
a última viagem.
O título não deve, obviamente, ser tomado em sua
literalidade, senão em sua acepção simbólica, pois Auster encontra-se no sítio
da representação semítica, onde borbulham as crônicas de um povo obstinado que,
onde quer que se encontre, deixa-se levar pelas linhas de força orientadas às
pedras e ao muro nesse “país de falta”, às voltas com o não dizível que emerge
de um passado, remoto ou recente, de dor e de lamentações.
J.A.R. – H.C.
Paul Auster
(n. 1947)
Viaticum
You will not blame
the stones,
or look to yourself
beyond the stones,
and say
you did not long for
them
before your face
had turned to stone.
In front of you
and behind you, in
the darkness
that moves with day,
you almost
will have breathed.
And your eyes,
as though your life
were nothing more
than a bitter
pilgrimage
to this country of
want, will open
on the walls
that shut you in your
voice,
your other voice, leading
you
to the distances of
love,
where you lie, closer
to the second
and brighter terror
of living in your
death, and speaking
the stone
you will become.
In: “Wall Writing” (1971-1975)
Mar e Rocas
(Vasilij Belikov:
pintor russo)
Viático
Não culparás as
pedras,
nem te verás
além das pedras, por
dizer
que não esperaste por
elas
antes que teu rosto
fosse pedra.
Diante de ti
e atrás, no escuro
que se move com o
dia, terás
quase respirado. E
teus olhos,
como se tua vida
fosse nada mais
que amarga peregrinação
a este país de falta,
vão se abrir
para os muros
que te trancam a voz,
tua outra voz,
levando-te
às distâncias do
amor,
onde restarás, mais
perto
do segundo,
e mais claro, terror
de viver em tua
morte, e dizendo
a pedra
em que te tornarás.
Em: “Escritos na
Parede” (1971-1975)
Referência:
AUSTER, Paul.
Viaticum / Viático. Tradução de Caetano W. Galindo. In: __________. Todos os poemas. Edição bilíngue.
Tradução e prefácio de Caetano W. Galindo. Introdução de Norman Finkelstein. 1.
ed. São Paulo, SP: Companhia das Letras, 2013. Em inglês: p. 144; em português:
p. 145.
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