Façamos a descrição sumária dos fatos descritos no poema: o gato da
poetisa dela se aproxima e lhe roça o corpo, partindo, então em outra direção –
nada mais. Contudo, há na mente humana o pervagar de sentidos que vão muito
além dos simples movimentos que se poderiam considerar naturais.
Seria mesmo de se esperar que o felino conhecesse da “essência morta”
que habita as entranhas de Pallottini? Ou mesmo o denominado “tempo morto”?
Como haveria de o bichano saber que o desejo da poetisa – convertido em amor
não expresso – era o de tornar em sangue vivo a carne já esmaecida?!
Monólogos, monólogos. Deles nascem os poemas!
J.A.R. – H.C.
Renata Pallottini
(n. 1931)
Gato em Volutas
Chegou-se a mim, com
pés forrados de silêncio.
Seu rastro sinuoso
marcara-se com plumas.
Ei-lo que roça no ser
humano
sua egoísta
subserviência.
Recolhe as unhas,
como quem guardasse
um íntimo segredo
invulnerável.
Ó gato, quanto mais
eu te amaria
se me houvessem
rasgado tuas unhas
a frágil carne, a de
afeição canina!
Afasta-se, seus olhos
impossíveis
fitos em alguma outra
parte.
Quedo, à distância
ignora o tempo morto.
E em mim a essência
morta.
Em: “O Monólogo Vivo” (1956)
Espreguiçando II
(Diane Hoeptner:
pintora norte-americana)
Referência:
PALLOTTINI, Renata. Gato em volutas.
In: __________. Obra poética. São
Paulo, SP: Hucitec, 1995. p. 75.
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