Lá pelos fins do século XVI, o francês Plantin já discorria sobre o que
seria a felicidade neste mundo, diga-se bem, a ventura neste plano terreno, em
contraposição à felicidade num plano metafísico ou sobrenatural – vindo a
calhar, por conseguinte, a dilação que o leitor seja capaz de promover nas
palavras de que ora me aproprio laconicamente.
Trata-se de um tipo de felicidade mundana voltada, precipuamente, ao
plano privado de existência, assim como naquele fado lusitano, no qual o falante
dirige-se à amada para dizer-lhe que o mundo de ambos começa do lado de dentro
da porta da casa – “Só nós dois”, de Joaquim Pimentel (1910-1978) –,
por sinal, um fadista português (seria pleonasmo dizê-lo?) que viveu durante
bastante tempo no Rio de Janeiro, onde veio a falecer.
J.A.R. – H.C.
Christophe Plantin
(1520-1589)
(Retrato de Peter
Paul Rubens)
Le bonheur de ce monde
Avoir une maison
commode, propre et belle,
Un jardin tapissé d’espaliers
odorans,
Des fruits, d’excellent
vin, peu de train, peu d’enfans,
Posseder seul sans
bruit une femme fidèle,
N’avoir dettes,
amour, ni procès, ni querelle,
Ni de partage à faire
avecque ses parens,
Se contenter de peu,
n’espérer rien des grands,
Régler tous ses
desseins sur un juste modèle,
Vivre avecque
franchise et sans ambition,
S’adonner sans
scrupule à la dévotion,
Dompter ses passions,
les rendre obéissantes,
Conserver l’esprit
libre et le jugement fort,
Dire son chapelet en
cultivant ses entes,
C’est attendre chez
soi bien doucement la mort.
Uma Família Feliz
(Julius Weyde: pintor
alemão)
A felicidade deste mundo
Ter uma casa boa,
limpa e bem curada,
Um variado jardim de
canteiros cheirosos,
Frutos, bom vinho,
filhos pouco numerosos,
Possuir só, sem
alarde, uma esposa afeiçoada;
Não ter contas, amor,
questões, demandas, nada
De partilha a fazer
com parentes cuidosos,
Com pouco se fartar,
descrer dos poderosos,
Seus desejos regrar por
pauta moderada;
Viver tendo franqueza
e não tendo ambição,
Entregar-se sem pejo
à sua devoção,
Domar suas paixões,
contê-las com acerto,
Conservar a alma
livre e o julgamento forte,
Rezar o seu rosário
enquanto medra o enxerto,
É esperar docemente
em sua casa a morte.
Referência:
PLANTIN, Christophe. Le bonheur de ce
monde / A felicidade deste mundo. Tradução de Guilherme de Almeida. In:
ALMEIDA, Guilherme de (Seleção e tradução). Poetas de França. Prefácio de Marcelo Tápia. 5. ed. São Paulo, SP:
Babel, 2011. Em francês: p. 34; em português: p. 35.
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