Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

terça-feira, 17 de abril de 2018

Emily Dickinson - Minha vida, uma arma carregada

A poetisa contém a sua ira – uma espécie de arma carregada, com energia encerrada em pura potencialidade –, e sente certo prazer em dar vazão a sentimentos, no presente, que expressem um propósito de matar. Já lá no futuro, a voz lírica contempla a sua vida como se a arma estivesse vazia, sem balas, seu “polegar enfático”.

Pressente-se em Dickinson um quê de repressão e artifício em suas manifestações sobre o poder, que a deixa a certa distância da crítica feminista superveniente, a denunciar a ideologia do patriarcado. Aliás, não estou bem certo de que o poema expressa ideias nesse sentido, porque interpretações com conteúdo hierático não seriam ilógicas, a depender da acepção que se venha a atribuir às palavras “Owner” e “Master”, grafadas assim, com iniciais maiúsculas...

J.A.R. – H.C.

Emily Dickinson
(1830-1886)

My Life had stood – a Loaded Gun –

My Life had stood – a Loaded Gun –
In Corners – till a Day
The Owner passed – identified –
And carried Me away –

And now We roam in Sovereign Woods –
And now We hunt the Doe –
And every time I speak for Him –
The Mountains straight reply –

And do I smile, such cordial light
Upon the Valley glow –
It is as a Vesuvian face
Had let its pleasure through –

And when at Night – Our good Day done –
I guard My Master’s Head –
’Tis better than the Eider-Duck’s
Deep Pillow – to have shared –

To foe of His – I’m deadly foe –
None stir the second time –
On whom I lay a Yellow Eye –
Or an emphatic Thumb –

Though I than He – may longer live
He longer must – than I –
For I have but the power to kill,
Without – the power to die –

Amantes num campo verde
(William Powell Frith: pintor inglês)

Minha vida, uma arma carregada

Minha vida, uma arma carregada,
Ficou pelos cantos até o dia
Em que o dono passou, e, ao reconhecer-me,
Levou-me dali consigo.

Agora, vagueamos por régios bosques
E damos caça ao cervo;
E sempre que por meu amo falo,
Os montes respondem céleres.

Se eu sorrio, uma luz tão calorosa
Rebrilha por sobre o vale
Como se a face de um Vesúvio
Seu prazer deixasse vazar.

E, cumprido mais um dia, estar à noite
Em guarda à cabeceira de meu mestre
É melhor que partilhar
Um farto travesseiro de penas.

De seu inimigo, mortal inimiga sou
E, ao que insiste em afrontá-lo,
Oponho um olho amarelo
Ou um polegar enfático.

Embora mais que ele, talvez eu viva,
Mais que eu deveria ele viver;
Pois tenho tão só o poder de matar,
Não me é dado o poder de morrer.

Referência:

DICKINSON, Emily. My life had stood – a loaded gun – / Minha vida, uma arma carregada. Tradução de Ivo Bender. In: __________. Poemas escolhidos. Tradução de Ivo Bender. Porto Alegre, RS: L&PM, 2011. Em inglês: p. 78 e 80; em português: p. 79 e 81. (Coleção ‘L&PM Pocket’, v. 436)

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