A poetisa contém a sua ira – uma espécie de arma carregada, com energia
encerrada em pura potencialidade –, e sente certo prazer em dar vazão a
sentimentos, no presente, que expressem um propósito de matar. Já lá no futuro,
a voz lírica contempla a sua vida como se a arma estivesse vazia, sem balas, seu
“polegar enfático”.
Pressente-se em Dickinson um quê de repressão e artifício em suas
manifestações sobre o poder, que a deixa a certa distância da crítica feminista
superveniente, a denunciar a ideologia do patriarcado. Aliás, não estou bem
certo de que o poema expressa ideias nesse sentido, porque interpretações com
conteúdo hierático não seriam ilógicas, a depender da acepção que se venha a atribuir
às palavras “Owner” e “Master”, grafadas assim, com iniciais maiúsculas...
J.A.R. – H.C.
Emily Dickinson
(1830-1886)
My Life had stood – a Loaded Gun –
My Life had stood – a
Loaded Gun –
In Corners – till a
Day
The Owner passed –
identified –
And carried Me away –
And now We roam in
Sovereign Woods –
And now We hunt the
Doe –
And every time I
speak for Him –
The Mountains
straight reply –
And do I smile, such
cordial light
Upon the Valley glow
–
It is as a Vesuvian
face
Had let its pleasure
through –
And when at Night –
Our good Day done –
I guard My Master’s
Head –
’Tis better than the
Eider-Duck’s
Deep Pillow – to have
shared –
To foe of His – I’m
deadly foe –
None stir the second
time –
On whom I lay a
Yellow Eye –
Or an emphatic Thumb
–
Though I than He –
may longer live
He longer must – than
I –
For I have but the
power to kill,
Without – the power
to die –
Amantes num campo verde
(William Powell Frith:
pintor inglês)
Minha vida, uma arma carregada
Minha vida, uma arma
carregada,
Ficou pelos cantos até
o dia
Em que o dono passou,
e, ao reconhecer-me,
Levou-me dali
consigo.
Agora, vagueamos por
régios bosques
E damos caça ao
cervo;
E sempre que por meu
amo falo,
Os montes respondem
céleres.
Se eu sorrio, uma luz
tão calorosa
Rebrilha por sobre o vale
Como se a face de um
Vesúvio
Seu prazer deixasse
vazar.
E, cumprido mais um
dia, estar à noite
Em guarda à cabeceira
de meu mestre
É melhor que
partilhar
Um farto travesseiro
de penas.
De seu inimigo,
mortal inimiga sou
E, ao que insiste em afrontá-lo,
Oponho um olho
amarelo
Ou um polegar
enfático.
Embora mais que ele,
talvez eu viva,
Mais que eu deveria
ele viver;
Pois tenho tão só o
poder de matar,
Não me é dado o poder
de morrer.
Referência:
DICKINSON, Emily. My life had stood – a
loaded gun – / Minha vida, uma arma carregada. Tradução de Ivo Bender. In:
__________. Poemas escolhidos.
Tradução de Ivo Bender. Porto Alegre, RS: L&PM, 2011. Em inglês: p. 78 e
80; em português: p. 79 e 81. (Coleção ‘L&PM Pocket’, v. 436)
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