Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

sábado, 14 de abril de 2018

Elizabeth Bishop - A Baía ‎

Ao descrever a natureza caótica de uma paisagem, mais propriamente de uma baía costeira a ser dragada, Bishop emprega simbólica perturbadora, aparentemente para associá-la à ideia de morte, haja vista que o entorno se mostra corrompido e pútrido.

Há certo efeito aliterativo no original, como que a reproduzir o barulho que a cena produz, em meio ao qual sobressai o ritmo sincopado da draga, com ressonância baudelairiana no espírito da poetisa. Presentes, ainda, estão alguns botes amontoados, “como envelopes abertos de cartas não respondidas”. Nesse contexto, seria válida a interpretação do poema enquanto metáfora do próprio quotidiano de Bishop, no qual toda a “atividade confusa continua, medonha, mas animada”?!...

J.A.R. – H.C.

Elizabeth Bishop
(1911-1979)

The Bight

[On my birthday]

At low tide like this how sheer the water is.
White, crumbling ribs of marl protrude and glare
and the boats are dry, the pilings dry as matches.
Absorbing, rather than being absorbed,
the water in the bight doesn’t wet anything,
the color of the gas flame turned as low as possible.
One can smell it turning to gas; if one were Baudelaire
one could probably hear it turning to marimba music.
The little ocher dredge at work off the end of the dock
already plays the dry perfectly off-beat claves.
The birds are outsize. Pelicans crash
into this peculiar gas unnecessarily hard,
it seems to me, like pickaxes,
rarely coming up with anything to show for it,
and going off with humorous elbowings.
Black-and-white man-of-war birds soar
on impalpable drafts
and open their tails like scissors on the curves
or tense them like wishbones, till they tremble.
The frowsy sponge boats keep coming in
with the obliging air of retrievers,
bristling with jackstraw gaffs and hooks
and decorated with bobbles of sponges.
There is a fence of chicken wire along the dock
where, glinting like little plowshares,
the blue-gray shark tails are hung up to dry
for the Chinese-restaurant trade.
Some of the little white boats are still piled up
against each other, or lie on their sides, stove in,
and not yet salvaged, if they ever will be, from the last
bad storm,
like torn-open, unanswered letters.
The bight is littered with old correspondences.
Click. Click. Goes the dredge,
and brings up a dripping jawful of marl.
All the untidy activity continues,
awful but cheerful.

In: “A Cold Spring” (1955)

Draga Escura
(Ken Karlic: pintor norte-americano)

A Baía

[No dia do meu aniversário]

Agora na vazante, a água é cristalina.
Frágeis costelas de alva marga brilham ao sol
e os barcos e os pilares estão secos como fósforos.
Mais absorvente que absorvida,
a água da baía não molha nada,
cor de chama de gás aberta ao mínimo.
Dá pra senti-la transformar-se em gás; Baudelaire
provavelmente a ouviria virar um solo de marimba.
A draga amarela operando na ponta do cais
já toca notas secas, perfeitamente sincopadas.
As aves são enormes. Os pelicanos chocam-se
contra esse gás estranho com uma força excessiva,
me parece, como se fossem picaretas,
e quase nunca emergem com algo nos bicos,
e vão embora se acotovelando; é cômico.
Gaivotas preto e branco levitam
em correntezas impalpáveis
e abrem as caudas nas curvas qual tesouras
ou as retesam, trêmulas, como ossos da sorte.
Barquinhos desleixados vêm chegando
com um ar prestativo de cães de caça,
pega-varetas de vergas e ganchos
enfeitados com as esponjas pescadas.
No cais, penduradas numa cerca de tela de arame,
reluzentes como arados em miniatura,
caudas de tubarões secam ao sol –
serão vendidas aos restaurantes chineses.
Alguns barquinhos brancos ainda estão amontoados
um contra o outro, ou deitados de lado, esmagados,
aguardando conserto desde a última tormenta,
como envelopes abertos de cartas não respondidas.
A baía está coberta de correspondência antiga.
Taque. Taque. É a draga,
trazendo à tona uma bocada de marga a respingar.
A atividade confusa continua,
medonha, mas animada.

Em: “Uma Primavera Fria” (1955)

Referência:

BISHOP, Elizabeth. The bight / A baía. Tradução de Paulo Henriques Britto. In: __________. Poemas escolhidos de Elizabeth Bishop. Seleção, tradução e textos introdutórios de Paulo Henriques Britto. Edição bilíngue. 1. ed. São Paulo, SP: Companhia das Letras, 2012. Em inglês: p. 174 e 176; em português: p. 175 e 177.

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