Carranza, poeta colombiano, presta homenagem por meio deste poema a um
outro poeta, seu compatriota, Antonio Llanos (1905-1978), cuja poesia se mostra
vazada por sentimentos de solidão e desencanto, como se percebesse, de plano, que
as sementes de seus poemas haveriam de cair em terrenos inférteis ou desérticos.
As imagens que se extraem do poema permitem visualizar os dois amigos, a
braços dados, pela noite escura, atingidos pela cegueira – a exemplo de Édipo
em direção às Eumênides –, imaginando seus versos a fluir pelos ares como
radiantes pombas, num cenário no qual ninguém apura os olhos e os ouvidos para
percebê-los e dar-lhes significação ou relevância.
J.A.R. – H.C.
Eduardo Carranza
(1913-1985)
Poesía
Antonio, nuestro
oficio es ir poniendo
las palabras, una
tras otra,
como días y días,
unos tras otros,
con su pausa nocturna
de estrellas o silencio.
Trabajo que de
pronto, tú lo sabes,
vuela de nuestras
manos convertido
en radiante paloma o
gerifalte.
La luz anda descalza
en lo que hablamos,
pero también la noche
y la tristeza.
Nuestra palabra, tú
también los sabes,
suena a veces como un
reloj
en una casa
abandonada, oscura,
dando las horas para
nadie.
Como la campanilla del
teléfono
en la estancia vacía.
O como una campana en
un desierto
tañendo para nadie.
Nuestro trabajo,
Antonio, es ir cayendo
todos los días hacia
el corazón.
Cierro tu libro y
pienso: estamos solos
en el umbral de qué,
de qué, Díos mío?
Y la noche nos lleva
como un ciego
a otro ciego, del
brazo, dulcemente.
En: “Los días que ahora son sueños”
(1943-1946)
O Mensageiro com
o Conhecimento e o Tempo
(Kevin Sloan: artista
norte-americano)
Poesia
Antonio, nosso
trabalho é ir colocando
as palavras, uma atrás
da outra,
como dias e dias, uns
atrás dos outros,
com sua pausa noturna
de estrelas ou silêncio.
Trabalho que logo, tu
o sabes,
voa de nossas mãos
convertido
em radiante pomba ou
gerifalte.
A luz anda descalça
no que falamos,
mas também a noite e
a tristeza.
Nossa palavra, tu
também o sabes,
soa às vezes como um
relógio
em uma casa
abandonada, escura,
marcando as horas
para ninguém.
Como a campainha do
telefone
na morada vazia.
Ou como um sino em um
deserto
tangendo para
ninguém.
Nosso trabalho,
Antonio, é ir caindo
todos os dias rumo ao
coração.
Fecho teu livro e
penso: estamos sós
no umbral de quê? de
quê, Deus meu?
E a noite nos leva
como um cego
a outro cego, de braço, docemente.
Em: “Os dias que agora são sonhos”
(1943-1946)
Referência:
CARRANZA, Eduardo. Poesía / Poesia.
Tradução de Mara de la Rocha. In: __________. Antologia poética. Seleção e tradução de Mara de la Rocha. Prefácio
de Ramiro Carranza. Brasília, DF: Fundação Cultural Nossa América, 1987. Em
espanhol: p. 72; em português: p. 73.
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