Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

sábado, 21 de abril de 2018

Francisco Brines - A perversão do olhar ‎

Um poema que é um mistério: uma menina que, aparentemente, pertence à linhagem dos “senhores”, traz reminiscências que se revelam como “sombria visão” a assaltar a mente de um jovem – o avançar misterioso da idade no rosto da garota –, lampejo por meio do qual este se reconhece, então, como pertencente à linhagem dos “escravos”.

Sem que se saiba dos fundamentos últimos que deram ensejo à pena de Brines, fato é que o poema deixa transparecer uma antinomia que, se não for atual, certamente no passado ter-se-ia estabelecido, entre classes sociais como as que, no Brasil, Gilberto Freyre explorou no já hoje clássico “Casa Grande x Senzala”.

Mas o olhar que se perverte, resultando na sobredita “sombria visão”, seria exatamente o quê? Não o diz o poeta. Mas como se poderia inferir da palavra “perversão”, deduzo tratar-se de expressão de desejo sexual que, no caso em apreço, configuraria delito por defloramento. Seria tal interpretação do poema um escólio “pervertido” do autor desta postagem? (rs). Qual nada: o mais provável é que Brines aluda ao termo “escravo do desejo”, aplicável, por exemplo, a Humbert em “Lolita”, de Nabokov.

J.A.R. – H.C.

Francisco Brines
(n. 1932)

La perversión de la mirada

La niña,
con los ojos dichosos,
iba – rodeada
de luz, su sombra por las viñas –
a la mar.
Le cantaban los labios,
su corazón pequeño le batía.
Los aires de las olas
volaban su cabello.

Un hombre, tras las dunas,
sentado estaba,
al acecho del mar.
Reconocía la miseria humana
en el gemido de las olas,
la condición reclusa de los vivos
aullando de dolor,
de soledad, ante un destino ciego.
Absorto las veía
llegar del horizonte, eran
el profundo cansancio del tiempo.

Oyó, sobre la arena,
el rumor de unos pies
detenidos.
Ladeó la cabeza, pesadamente
volvió los ojos:
la sombría visión que imaginara
viró con él, todavía prendida,
con esfuerzo.
Y el joven vio que el rostro
de la niña
envejecía misteriosamente.

Con ojos abrasados
miró hacia el mar: las aguas
eran fragor, ruina.
Y humillado vio un cielo
que, sin aves, estallaba de luz.
Dentro le dolía una sombra
muy vasta y fría.
Sintió en la frente un fuego:
con tristeza se supo
de un linaje de esclavos.

De: “Palabras a la oscuridad” (1966)

Saída da lua sobre o mar
(Caspar David Friedrich: pintor alemão)

A perversão do olhar

A menina,
com os olhos ditosos,
dirigia-se – rodeada
de luz, sua sombra pelas vinhas –
ao mar.
Cantavam-lhe os lábios,
batia-lhe o pequeno coração.
A brisa das ondas
soprava-lhe os cabelos.

Um homem, atrás das dunas,
sentado estava,
à espreita do mar.
Reconhecia a miséria humana
no gemido das ondas,
a condição reclusa dos vivos
uivando de dor,
de solidão, ante um cego destino.
Absorto, vi-as
chegar do horizonte, como
profundo cansaço do tempo.

Ouviu, sobre a areia,
o rumor de uns pés refreados.
Inclinou a cabeça, pesadamente
volveu os olhos:
a sombria visão que imaginara
virou com ele, ainda presa,
com esforço.
E o jovem viu que o rosto
da menina
envelhecia misteriosamente.

Com os olhos abrasados
fitou o mar: as águas
eram fragor, ruína.
E humilhado viu um céu
que, sem aves, estalava de luz.
Dentro lhe doía uma sombra
muito vasta e fria.
Sentiu um fogo em sua fronte:
com tristeza, soube-se
de uma linhagem de escravos.

De: “Palavras à escuridão” (1966)

Referência:

BRINES, Francisco. La perversión de la mirada. In: __________. Antología poética. Selección y prólogo de José Olivio Jiménez. Madrid, ES: Alianza Editorial, 1986. p. 83-84. (“Sección: Literatura”; “El Libro de Bolsillo”; LB 1190)

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