Talvez se fosse um adolescente, não saberia compreender melhor o sentido
deste poema. Mas hoje, em meio ao avançado da vida, percebo-o como ninguém,
pois tudo são dúvidas sobre a validade do que se passou, sobre a teleologia do
existir, ainda que, em termos parametrizados, possa discorrer, com
razoável grau de precisão, sobre quem sou.
Como a poetisa, ainda há muitos livros em minha estante por ler, muitos
idiomas dos quais só conheço algumas palavras – como o tcheco, por exemplo –,
muitas coisas esquecidas, deliberadamente ou não, muito por amar e outro tanto
por fazer – e uma dessas coisas é o vir até aqui, todos os dias, e plantar uma
flor virtual no imenso e anônimo jardim que é esta rede de usuários/leitores.
J.A.R. – H.C.
Cecília Meireles
(1901-1964)
Humildade
Tanto que fazer!
livros que não se leem,
cartas que não se escrevem,
línguas que não se
aprendem,
amor que não se dá,
tudo quanto se
esquece.
Amigos entre adeuses,
crianças chorando na
tempestade,
cidadãos assinando
papéis, papéis, papéis...
até o fim do mundo
assinando papéis.
E os pássaros detrás
de grades de chuva.
E os mortos em redoma
de cânfora.
(E uma canção tão
bela!)
Tanto que fazer!
E fizemos apenas
isto.
E nunca soubemos quem
éramos,
nem para quê.
(1954)
Em: “Dispersos”
Humildade
(Dimitar Voinov Jr.:
pintor búlgaro)
Referência:
MEIRELES, Cecília. Humildade. In:
__________. Cecília de bolso: uma
antologia poética. Organização e apresentação de Fabrício Carpinejar. Porto
Alegre, RS: L&PM, 2014. p. 166. (Coleção L&PM Pocket; v. 700)
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