Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

sábado, 28 de abril de 2018

Cecília Meireles - Humildade ‎

Talvez se fosse um adolescente, não saberia compreender melhor o sentido deste poema. Mas hoje, em meio ao avançado da vida, percebo-o como ninguém, pois tudo são dúvidas sobre a validade do que se passou, sobre a teleologia do existir, ainda que, em termos parametrizados, possa discorrer, com razoável grau de precisão, sobre quem sou.

Como a poetisa, ainda há muitos livros em minha estante por ler, muitos idiomas dos quais só conheço algumas palavras – como o tcheco, por exemplo –, muitas coisas esquecidas, deliberadamente ou não, muito por amar e outro tanto por fazer – e uma dessas coisas é o vir até aqui, todos os dias, e plantar uma flor virtual no imenso e anônimo jardim que é esta rede de usuários/leitores.

J.A.R. – H.C.

Cecília Meireles
(1901-1964)

Humildade

Tanto que fazer!
livros que não se leem, cartas que não se escrevem,
línguas que não se aprendem,
amor que não se dá,
tudo quanto se esquece.

Amigos entre adeuses,
crianças chorando na tempestade,
cidadãos assinando papéis, papéis, papéis...
até o fim do mundo assinando papéis.

E os pássaros detrás de grades de chuva.
E os mortos em redoma de cânfora.

(E uma canção tão bela!)

Tanto que fazer!
E fizemos apenas isto.
E nunca soubemos quem éramos,
nem para quê.

(1954)

Em: “Dispersos”

Humildade
(Dimitar Voinov Jr.: pintor búlgaro)

Referência:

MEIRELES, Cecília. Humildade. In: __________. Cecília de bolso: uma antologia poética. Organização e apresentação de Fabrício Carpinejar. Porto Alegre, RS: L&PM, 2014. p. 166. (Coleção L&PM Pocket; v. 700)

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