Numa terra desolada – alusão, certamente, ao famoso poema de T. S. Eliot
– não haveria como o narciso do poeta manter-se vivo, exposto que ficou à
poluição, em apartamento no qual mal chegava a luz do sol, abandonado à própria
sorte, sem provisão de água.
Morreu assim, sem poder exalar o perfume e manifestar a sua beleza,
já de há muito conhecida – Virgílio, por exemplo, exalta-a na quinta écloga –,
não fosse o poema, sob outra perspectiva, aparente metáfora da faina poética do
próprio vate, que em sua alma experimenta a “fuligem” decantada, em virtude de
não haver logrado resgatar o poema-narciso de seu prematuro e não intencional fenecimento.
J.A.R. – H.C.
Carlos Ávila
(n. 1955)
Narcissus Poeticus
secou
(no vaso
sem água)
mal plantado
numa waste land
(minúscula)
de apartamento
sombrio:
como resistir
a pó poeira poluição?
maltratado ex-narciso
à própria sorte
abandonado
(rente ao piso)
sem fonte
nem espelho
secou
(só no vaso)
sem suor nem saliva
sem lágrima
que o pudesse salvar
morreu
(fuligem
na alma)
Belos Narcisos em Vaso de Peltre
(Elizabeth Floyd:
pintora norte-americana)
Referência:
ÁVILA, Carlos. Narcissus poeticus. In: DANIEL,
Claudio; BARBOSA, Frederico (Organização, Seleção e Notas). Na virada do século: poesia de invenção
no Brasil. São Paulo, SP: Landy, 2007. p. 94.
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