Este poema de Machado mostra-se deveras inusitado, ao dedicar-se a
escrever sobre moscas, coletivo de um inseto que quase sempre tomamos em sua
perspectiva desagradável, capturando-o em imagens nostálgicas advindas de
acontecimentos que lhe marcaram indelevelmente o passado.
As moscas, aqui, surgem como presumível metáfora para os episódios indesejáveis
por que passamos em vida, mas que são tão marcantes quanto aqueles a que tanto
aspiramos, por sua distinção ou valor positivo que lhes atribuímos. E o poeta
sabe bem enfatizar a natureza “familiar” do contato diário que temos com esses
inconvenientes miúdos que, a varejo, nos fortalecem para uma luta contra um
meio ambiente nem sempre acolhedor.
J.A.R. – H.C.
Antonio Machado
(1875-1939)
Retrato de Joaquín
Sorolla(Dez.1917)
Las Moscas
Vosotras, las
familiares,
inevitables golosas,
vosotras, moscas
vulgares,
me evocáis todas las
cosas.
İOh, viejas moscas
voraces
como abejas en abril,
viejas moscas
pertinaces
sobre mi calva
infantil!
İMoscas dei primer
hastío
en el salón familiar,
las claras tardes de
estío
en que yo empecé a
sonar!
Y en la aborrecida
escuela,
raudas moscas
divertidas,
perseguidas
por amor de lo que
vuela,
– que todo es volar –,
sonoras
rebotando en los
cristales
en los días otoñales...
Moscas de todas las
horas,
de infancia y
adolescencia,
de mi juventud
dorada;
de esta segunda inocencia,
que da en no creer en
nada,
de siempre... Moscas
vulgares,
que de puro
familiares
no tendréis digno
cantor:
yo sé que os habéis
posado
sobre el juguete
encantado,
sobre el librote
cerrado,
sobre la carta de
amor,
sobre los párpados
yertos
de los muertos.
Inevitables golosas,
que ni labráis como
abejas,
ni brilláis cual
mariposas;
pequenitas,
revoltosas,
vosotras, amigas
viejas,
me evocáis todas las
cosas.
En: “Soledades” (1899-1907)
Moscas - 01
(Laraine Armenti:
pintora norte-americana)
As Moscas
Vós, as familiares,
inevitáveis gulosas,
vós, moscas vulgares,
me evocais todas a
coisas.
Oh, velhas moscas
vorazes
como abelhas em
abril,
velhas moscas
pertinazes
sobre minha calva
infantil!
Moscas do primeiro
fastio
na sala familiar,
nas claras tardes de
estio
em que comecei a
sonhar!
E na aborrecida escola,
velozes moscas
divertidas,
perseguidas
por amor do que voa,
– que tudo é voar –,
sonoras
ricocheteando nas
vidraças
nos dias outonais...
Moscas de todas as
horas,
de infância e adolescência,
de minha juventude
dourada;
desta segunda
inocência,
que dá em não crer em
nada,
de sempre... Moscas
vulgares,
que de tão familiares
não tereis digno
cantor:
eu sei que tendes
pousado
sobre o brinquedo
encantado,
sobre o tomo fechado,
sobre a carta de amor
sobre as pálpebras
hirtas
dos mortos.
Inevitáveis gulosas,
que nem laborais como
abelhas,
nem brilhais qual
borboletas;
pequeninas,
revoltosas,
vós, amigas velhas,
Me evocais todas as
coisas.
Em: “Solidões” (1899-1907)
Referência:
MACHADO, Antonio. Las moscas. In:
__________. Antología poética. Introducción
de Carlos Ayala. Madrid, ES: Agrupación Nacional del Comercio del Libro,
Navidad 1975. p. 32-33.
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