Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

terça-feira, 3 de abril de 2018

Antonio Machado - As Moscas ‎

Este poema de Machado mostra-se deveras inusitado, ao dedicar-se a escrever sobre moscas, coletivo de um inseto que quase sempre tomamos em sua perspectiva desagradável, capturando-o em imagens nostálgicas advindas de acontecimentos que lhe marcaram indelevelmente o passado.

As moscas, aqui, surgem como presumível metáfora para os episódios indesejáveis por que passamos em vida, mas que são tão marcantes quanto aqueles a que tanto aspiramos, por sua distinção ou valor positivo que lhes atribuímos. E o poeta sabe bem enfatizar a natureza “familiar” do contato diário que temos com esses inconvenientes miúdos que, a varejo, nos fortalecem para uma luta contra um meio ambiente nem sempre acolhedor.

J.A.R. – H.C.

Antonio Machado
(1875-1939)
Retrato de Joaquín Sorolla(Dez.1917)

Las Moscas

Vosotras, las familiares,
inevitables golosas,
vosotras, moscas vulgares,
me evocáis todas las cosas.
İOh, viejas moscas voraces
como abejas en abril,
viejas moscas pertinaces
sobre mi calva infantil!
İMoscas dei primer hastío
en el salón familiar,
las claras tardes de estío
en que yo empecé a sonar!
Y en la aborrecida escuela,
raudas moscas divertidas,
perseguidas
por amor de lo que vuela,
– que todo es volar –, sonoras
rebotando en los cristales
en los días otoñales...
Moscas de todas las horas,
de infancia y adolescencia,
de mi juventud dorada;
de esta segunda inocencia,
que da en no creer en nada,
de siempre... Moscas vulgares,
que de puro familiares
no tendréis digno cantor:
yo sé que os habéis posado
sobre el juguete encantado,
sobre el librote cerrado,
sobre la carta de amor,
sobre los párpados yertos
de los muertos.
Inevitables golosas,
que ni labráis como abejas,
ni brilláis cual mariposas;
pequenitas, revoltosas,
vosotras, amigas viejas,
me evocáis todas las cosas.

En: “Soledades” (1899-1907)

Moscas - 01
(Laraine Armenti: pintora norte-americana)

As Moscas

Vós, as familiares,
inevitáveis gulosas,
vós, moscas vulgares,
me evocais todas a coisas.
Oh, velhas moscas vorazes
como abelhas em abril,
velhas moscas pertinazes
sobre minha calva infantil!
Moscas do primeiro fastio
na sala familiar,
nas claras tardes de estio
em que comecei a sonhar!
E na aborrecida escola,
velozes moscas divertidas,
perseguidas
por amor do que voa,
– que tudo é voar –, sonoras
ricocheteando nas vidraças
nos dias outonais...
Moscas de todas as horas,
de infância e adolescência,
de minha juventude dourada;
desta segunda inocência,
que dá em não crer em nada,
de sempre... Moscas vulgares,
que de tão familiares
não tereis digno cantor:
eu sei que tendes pousado
sobre o brinquedo encantado,
sobre o tomo fechado,
sobre a carta de amor
sobre as pálpebras hirtas
dos mortos.
Inevitáveis gulosas,
que nem laborais como abelhas,
nem brilhais qual borboletas;
pequeninas, revoltosas,
vós, amigas velhas,
Me evocais todas as coisas.

Em: “Solidões” (1899-1907)

Referência:

MACHADO, Antonio. Las moscas. In: __________. Antología poética. Introducción de Carlos Ayala. Madrid, ES: Agrupación Nacional del Comercio del Libro, Navidad 1975. p. 32-33.

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