O poeta gaúcho endereça uma carta descritiva a Freud, procurando enunciar
os elementos mais característicos da personalidade e do agir profissional do
psicanalista judeo-austríaco, exatamente ele que se propôs a trazer a lume tudo
o que de mais recôndito é capaz de se incrustar no espírito humano.
Como diz o poeta, Freud soube vasculhar como ninguém as desgraças dos
outros, ou melhor, de seus pacientes, procurando decifrá-las em suas origens, muito
embora, em relação aos próprios infortúnios, segundo Trevisan, procurava
ocultá-los em disfarces dignos das “ardilezas de uma odalisca”.
J.A.R. – H.C.
Armindo Trevisan
(n. 1933)
Carta a Freud
As tuas pupilas não
retiraram jamais
carvões ardentes da
forja, nem teus dedos
tocaram músicas para
ouvidos
treinados no redil
das nuvens. Foste
o mais direto dos
sábios. Apanhaste
o cuspe que expelem
as bocas, e nele
palavras luminosas e
insensatas.
Com redes invisíveis,
pescaste polvos
e animais das
profundezas. Por vezes
te atraiu o gorjeio
das aves. Sempre
te comoveu a desgraça
dos homens.
Com eles, a tua
própria desgraça,
que disfarçavas com
ardilezas de odalisca.
Mas... tu, quem eras?
Um golpe de ar
que mordeu o pó, e
provou o sabor
do caos quando sobre
ele pairava o Espírito.
Em: “A Serpente na Grama” (2001)
Dr. Sigmund Freud Psicanalista
(Marcelo Neira:
artista argentino)
Referência:
TREVISAN, Armindo. Carta a Freud. In:
__________. Nova antologia poética:
1967-2001. Porto Alegre, RS: Sulina, 2001. p. 189.
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