Não há qualquer orgulho no poeta, à distinção de Satã: afinal, ele se
despreza e vê-se como um nada. A par disso, busca tornar-se um Deus, por
vocação e necessidade, para superar os limites impostos pelo binômio espaço x
tempo.
Ele aspira a tudo em sua fome e sede de eternidade, pairar estável em
cada dimensão a configurar o universo, este mesmo ou outros que porventura
existam, num superlativo insuperável de onipresença e onipotência, somente
concebível a quem se equipare à maior das potestades.
J.A.R. – H.C.
Ismael Nery
(1900-1934)
Nasceu em Belém do
Pará e faleceu no Rio. Tinha gosto e talento para todas as artes, mas cultivou
de preferência a pintura, tendo deixado neste domínio uma obra importante, ainda
não convenientemente estudada. Depois de sua morte, viemos a saber que era
também poeta, por uma série de poemas publicados na revista A Ordem, números de
fevereiro e abril de 1935, por iniciativa de seu grande amigo Murilo Mendes.
Vinham os poemas acompanhados de notas e comentários, que explicavam a
concepção que do mundo e da arte formava o artista. Chamava-lhe ele
“essencialismo”. Segundo Ismael Nery, o homem deve sempre procurar eliminar os
supérfluos que prejudicam a essência a conhecer:
a essência do homem é
das coisas que só podem ser atingidas mediante a abstração do espaço e do
tempo, pois a localização num momento contraria uma das condições da vida, que
é o movimento. Um essencialista deve colocar-se na vida como se fosse o centro
dela para que possa ter sempre a perfeita relação das ideias e dos fatos. A
essa doutrina, escreveu Murilo Mendes, “Ismael Nery imprimiu o caráter de sua
fortíssima personalidade, sujeitando-a, porém, aos eternos princípios do
catolicismo” (BANDEIRA, 1964, p. 79).
Confissão
Não quero ser Deus
por orgulho.
Eu tenho esta grande
diferença de Satã.
Quero ser Deus por
necessidade, por vocação.
Não me conformo nem
com o espaço nem
com o tempo,
Nem com o limite de
coisa alguma.
Tenho fome e sede de
tudo,
Implacável,
Crescente,
Eterna,
– De mim que me
desprezo e me acredito um nada.
Arcanjo Miguel
(Guido Reni: pintor
italiano)
Referência:
NERY, Ismael. BANDEIRA, Manuel (Org.). Antologia de poetas brasileiros bissextos
contemporâneos. 2. ed. revista e aumentada. Rio de Janeiro, GB: Organização
Simões, 1964. p. 81.
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