Em soneto livre, sem rimas e sem métrica – com versos a oscilar em
espessura, como as águas de sua bacia hidrográfica –, o poeta descreve um
cenário que se passa na Amazônia, dir-se-ia, um cenário-padrão em que a
natureza se transforma a cada minuto, mantendo, nada obstante, o caudal escuro
de seus grandes rios e o poder fatigante do verde da floresta, ora sob a ameaça de devastação.
Fala ele de um silêncio primordial, que adviria do instante mesmo de sua
criação, e de um equilíbrio numeroso – levando-me a pressupor, neste caso, que
se refira às cadeias alimentares sem conta a que está submetida a sua vasta
fauna.
E submersa nas penumbras do ocaso, imerge essa fauna, acolhida pela
flora da Hileia, na noite em que quase não se constata a atenuação do clima, a
umidade a permear todo o espaço, em têmpera cálida, tórrida, fervilhante...
J.A.R. – H.C.
Augusto Frederico Schmidt
(1906-1965)
Soneto Amazônico
As águas quietas e
escuras guardavam no seio imóvel
A cor dos grandes
céus com suas nuvens,
E guardavam um
silêncio como não vi maior:
Um silêncio maduro,
de coisas se transformando;
Um silêncio fecundo,
de natureza crescendo;
Um silêncio inicial,
de antes de o mundo possuir
Suas formas, o seu
ritmo, o seu equilíbrio numeroso;
Um silêncio prestes a
se partir num grande grito.
Em torno das águas
escuras estava a floresta tropical.
Com a sua exasperada
palpitação e o seu denso mistério,
As árvores pareciam
esperar um acontecimento inesperado.
Poderíamos, em ermo,
sentir os primeiros passos da Noite,
Que vinha com os seus
grandes pés escuros
Quebrando frágeis
galhos e machucando flores e plantas silvestres.
Casa de Índios na floresta
Mata-Mata no Moju (PA)
(Giuseppe Leone
Righini: artista italiano)
Referência:
SCHMIDT, Augusto Frederico. Soneto
amazônico. In: LISBOA, Henriqueta (Org.). Antologia
escolar de poemas para a juventude. Rio de Janeiro, RJ: Ediouro -
Tecnoprint, 1981. p. 30.
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