A refletir o problema essencial da identidade, este poema de Larbaud
levanta a questão fundamental do homem a incorporar suas máscaras frente aos pares,
para fazer valer uma realidade que possivelmente passa ao largo de suas mais
íntimas convicções.
Se o poeta pede ao leitor um afeto que lhe torne a máscara veneziana
melhor acoplada ao rosto, espera ele pela reciprocidade às palavras que
direciona aos ouvintes, ainda que tais palavras reflitam “fingimento”. Afinal,
o vate é ou não um ilusionista, a julgar pela “Autopsicografia” de
Pessoa?!
J.A.R. – H.C.
Valery Larbaud
(1881-1957)
Le Masque
J’écris toujours avec
un masque sur le visage;
Oui, un masque à
l’ancienne mode de Venise,
Long, au front
déprimé,
Pareil à un grand
mufle de satin blanc.
Assis à ma table et
relevant la tête,
Je me contemple dans
le miroir, en face
Et tourné de trois
quarts, je m’y vois
Ce profil enfantin et
bestial que j’aime.
Oh, qu’un lecteur,
mon frère, à qui je parle
À travers ce masque
pâle et brillant,
Y vienne déposer un
baiser lourd et lent
Sur ce front déprimé
et cette joue si pâle,
Afin d’appuyer plus
fortement sur ma figure
Cette autre figure
creuse et parfumée.
Carnaval ao Pôr do Sol
(Graham Denison:
pintor inglês)
A Máscara
Escrevo sempre tendo
a máscara no rosto;
sim, essa máscara à
antiga moda veneziana,
longa, de testa
baixa,
como um grande
focinho de cetim branco.
Sentado à mesa e
levantando a cabeça,
contemplo-me no
espelho, de frente
e de três quartos, e
vejo
esse perfil infantil
e bestial que eu amo.
Oh, que um leitor,
meu irmão, a quem eu falo
através da máscara
pálida e brilhante,
venha depor um beijo
longo e lento
sobre a testa
apertada e essa face tão pálida,
a fim de calcar mais
fortemente sobre o meu
esse outro rosto
perfumado e oco.
Referência:
LARBAUD, Valery. Le masque / A máscara.
Tradução de Carlos Drummond de Andrade. In: ANDRADE, Carlos Drummond. Poesia Traduzida. Edição bilíngue.
Organização e notas de Augusto Massi e Júlio Castañon Guimarães. São Paulo, SP:
7Letras; Cosac Naify, 2011. Em francês: p. 208; em português: p. 209. (Coleção
‘Ás de Colete’; n. 20)
❁
Nenhum comentário:
Postar um comentário