Neste poema, o poeta chileno enceta, em discurso desafiante, um repto a
ideias de autores europeus, como o poeta de língua alemã Rainer Maria Rilke, o
elaborador de conceitos como “beleza pura”, dirigindo-lhes indagações rumo ao
compromisso com a História: “que fizestes ante o reinado da angústia, frente a este escuro
ser humano, a esta pateada compostura, a esta cabeça
submersa no esterco, a esta essência de ásperas vidas pisoteadas?”
E lá se vão as invectivas do poeta em direção a André Gide, Paul Valéry,
André Breton e tantos outros autores europeus cultuados na América Latina, contemporaneamente
à época em que as liberdades políticas eram confrangidas por ditadores
instalados no poder, nos principais países do continente.
J.A.R. – H.C.
Pablo Neruda
(1904-1973)
Los Poetas Celestes
Qué hicisteis
vosotros gidistas,
intelectualistas,
rilkistas,
misterizantes, falsos
brujos
existenciales,
amapolas
surrealistas
encendidas
en una tumba,
europeizados
cadáveres de la moda,
pálidas lombrices del
queso
capitalista, qué
hicisteis
ante el reinado de la
angustia,
frente a este oscuro
ser humano,
a esta pateada
compostura,
a esta cabeza
sumergida
en el estiercol, a
esta esencia
de ásperas vidas
pisoteadas?
No hicisteis nada
sino la fuga:
vendisteis hacinado
detritus,
buscasteis cabellos
celestes,
plantas cobardes, uñas
rotas,
“Belleza pura”, “sortilegio”,
obra de pobres
asustados
para evadir los ojos,
para
enmarañar las
delicadas
pupilas, para
subsistir
con el plato de
restos sucios
que os arrojaron los
señores,
sin ver la piedra en
agonía,
sin defender, sin
conquistar,
más ciegos que las
coronas
del cementerio,
cuando cae
la lluvia sobre las
inmóviles
flores podridas de
las tumbas.
Les
Champs-Élysées
(Antoine Blanchard:
pintor francês)
Os Poetas Celestes
Que fizestes vós
gidistas,
intelectualistas,
rilkistas,
misterizantes, falsos
bruxos
existenciais,
papoulas
surrealistas acesas
numa tumba,
europeizados
cadáveres da moda,
pálidas lombrigas do
queijo
capitalista, que
fizestes
ante o reinado da
angústia,
frente a este escuro
ser humano,
a esta pateada
compostura,
a esta cabeça
submersa
no esterco, a esta
essência
de ásperas vidas
pisoteadas?
Não fizestes nada senão
a fuga:
vendestes detritus amontoado,
buscastes cabelos
celestes,
solados covardes,
unhas fendidas,
“Beleza pura”, “sortilégio”,
obra de pobres
assustados
para evadir os olhos,
para
emaranhar as
delicadas
pupilas, para subsistir
com o prato de restos
sujos
que os senhores vos
lançaram,
sem ver a pedra em
agonia,
sem defender, sem
conquistar,
mais cegos que as
coroas
do cemitério, quando
cai
a chuva sobre as
imóveis
flores pútridas das
tumbas.
Referência:
NERUDA, Pablo. Los poetas celestes. In:
__________. Selected poems of Pablo
Neruda. A bilingual edition edited and translated by Ben Bellit: Spanish x
English. Introduction by Luis Monguió. 10th printing. New York, NY: Grove Press
Inc., 1977. p. 142.
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