Que toda poesia expresse o fluxo vivo e inquieto das experiências humanas,
qual sangue a manar em nossas veias: esse o intento do poeta, que por ela aspira,
quer viva quer morta, mas de todo modo liberta em sua torrente transfiguradora.
Se Pessoa afirma ser pouco o que tenha visto de janelas, vigias ou
tombadilhos, sonhando, Domingos Carvalho, por sua vez, espera saturar as
possibilidades de que a sua poesia “alcance todos os portos e beije todas as
praias”: conseguirá cumprir tamanho desígnio?
J.A.R. – H.C.
Domingos Carvalho da Silva
(1915-2003)
Canto em Louvor da Poesia
Quero a poesia em
essência
abrindo as asas
incólumes.
Boêmia perdida ou
tísica,
quero a poesia
liberta,
viva ou morta, amo a
poesia.
Poesia lançada ao
vento
quero em todos os
sentidos.
Despida de forma e
cor,
repudiada,
incompreendida,
quero a poesia sem
nome,
feita de dramas humanos.
Quero ouvir na sua voz
o canto dos
oprimidos:
usinas estradas
campos,
quero a palavra do
povo
transfigurada num
poema.
Que o meu canto
sobrenade
ondas revoltas do mar
e alcance todos os
portos
e beije todas as
praias.
Quero a poesia sem pátria,
banida pobre
extenuada,
a poesia dos
proscritos,
negra ou branca, amo
a poesia.
Quero a palavra
fluente,
viva e inquieta como
o sangue.
Pura ou impura eu
reclamo
a poesia do momento,
filtrada exata
constante.
Concha
(Katherine Stone: pintora
norte-americana)
Referência:
CARVALHO DA SILVA, Domingos. Canto em
louvor da poesia. In: CAMPOS, Milton de Godoy (Ed.). Antologia poética da geração de 45. 1ª série. São Paulo, SP: Clube
de Poesia, 1966. p. 35.
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