Um poema de urgência, imerso nos mistérios do labor poético, articulado
em suaves transições discursivas – do pensamento livre frente às
arbitrariedades do poder ao cumprimento impassível de nossa missão sobre a
terra –, que, ao fim e ao cabo, levanta dúvidas sobre a sustentabilidade de tudo
o que as mãos humanas são capazes de criar.
Eis as inquietações, o compromisso com os pares e o anseio por experiências
mais significativas que o poeta firma como o seu plano de vida: o que disso
sobeja são manifestações laterais que talvez não pesem o bastante no balanço da existência.
J.A.R. – H.C.
René Char
(1907-1988)
Commune présence
II
Tu es pressé d’écrire
Comme si tu étais en retard
sur la vie
S’il en est ainsi
fais cortège à tes sources
Hâte-toi
Hâte-toi de
transmettre
Ta part de
merveilleux de rébellion de
bienfaisance
Effectivement tu es
en retard sur la vie
La vie inexprimable
La seule en fin de
compte à laquelle tu
acceptes de t’unir
Celle qui t’es
refusée chaque jour par les
êtres et par les
choses
Dont tu obtiens
péniblement de-ci de-là
quelques fragments
décharnés
Au bout de combats
sans merci
Hors d’elle tout n’est
qu’agonie soumise
fin grossière
Si tu rencontres la
mort durant ton labeur
Reçois-là comme la
nuque en sueur trouve
bon le mouchoir aride
En t’inclinant
Si tu veux rire
Offre ta soumission
Jamais tes armes
Tu as été créé pour
des moments peu
communs
Modifie-toi disparais
sans regret
Au gré de la rigueur
suave
Quartier suivant
quartier la liquidation
du monde se poursuit
Sans interruption
Sans égarement
Essaime la poussière
Nul ne décèlera votre
union.
Um presente do tempo
(Jim Daly: pintor
norte-americano)
Comum Presença
II
És pressionado a
escrever
Como se estivesses
atrasado na vida
Se isso é assim
acompanha tuas fontes
Apressa-te
Apressa-te em
transmitir
Tua parcela de
maravilhoso de rebelião
de beneficência
Efetivamente estás
atrasado na vida
A vida inexprimível
A única afinal de
contas à qual aceitas
unir-te
Aquela que te é
recusada a cada dia
pelos seres e pelas
coisas
Da qual obténs
penosamente daqui e
dali alguns
fragmentos descarnados
Ao fim de lutas sem
piedade
Fora dela tudo é
agonia submissa fim
grosseiro
Se encontras a morte
enquanto trabalhas
Recebe-a como a nuca
suada acha bom
o lenço seco
Ao te inclinares
Se quiseres sorrir
Oferece a submissão
Jamais tuas armas
Foste criado para
momentos pouco comuns
Modifica-te
desaparece sem remorso
À mercê do rigor
suave
Parte após parte a
liquidação do mundo
continua
Sem interrupção
Sem desvio
Enxameia a poeira
Ninguém denunciará
vossa união.
Referência:
CHAR, René. Commune présence II / Comum
presença II. Tradução de José Jeronymo Rivera. In: RIVERA, José Jeronymo
(Organização e Tradução). Poesia francesa:
pequena antologia bilíngue. 2. ed. revista e aumentada. Brasília, DF:
Thesaurus, 2005. Em francês: 172 e 174; em português: 173 e 175.
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