Eis aqui mais um poema que se debruça sobre a passagem do tempo e os
impactos que a memória provoca sobre os sentimentos vivenciados por cada um que
vê os seus dias avançarem muito além da estação folgazã da infância.
Julga o poeta que o sol fugiu das manhãs dos seus dias correntes, para
os quais a metáfora da finitude sombria e melancólica se lhes aplica
dadivosamente, a configurar um drama que o vate busca atenuar, implorando à mãe
para que lhe devolva a luz dos tempos de outrora.
J.A.R. – H.C.
Augusto Meyer
(1902-1970)
Canção do Mundo Pueril
Uma nuvem passou.
Toda a casa mergulha
no halo negro da
sombra,
na penumbra do outro
mundo.
Luarizada, a janela
da sala...
Chove cinza.
E o tapete agoniza
na penumbra do mundo.
Ninguém fala.
Brilha o vaso na mesa
e um pedaço do
espelho.
Tenho medo...
Chove a sombra do
mundo
sobre o ninho da
sombra.
Oh a canção dos
pomares!
Me dá o sol!
Dá-me a infância
perdida
como um raio de sol!
A alegria subia
como aquele balão
que, uma tarde
gloriosa,
fugiu da minha mão...
O relógio parou.
Arde o meu coração,
bate em meu coração
toda a angústia do
mundo!
A rosa do tapete
É uma flor de
penumbra.
– Mãe, eu quero o
sol!
Em: “Giraluz” (1928)
Lembranças da Infância
(Andrea Banjac: artista
sérvia)
Referência:
MEYER, Augusto. Canção do mundo pueril. In: __________. Poesias: 1922-1955. Rio de Janeiro: Livraria São José, 1957. p.
83-84.
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